terça-feira, 23 de dezembro de 2008

RECADO AUSENTE


Não se preocupe demais.
Apenas anoitece.
Mas com a noite, o carinho se perde ainda mais.

A paz, fiel de todo o cuidado do mundo, se perde também.
E se é de adeuses que se vive,
Adeus à paz.

Mas não se preocupe...

Um gesto, uma palavra, todo ou algum amor.

Uma ligação de sobressalto,
Um gozo imprevisto,
Um cigarro inesperado.

Para que o amor não vá de repente,
E o desejo seja prolongado.
Texto: Daniel Rubens Prado.
Primavera de 2008, mas não parece.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Os bastidores de uma política que mata!


O lançamento do livro “Cogumelo de Espuma”, primeiro romance da eutanástica jornalista Staël Gontijo, foi um sucesso. De acordo com o diretor do grupo Leitura, Emídio Telles, o lançamento bateu recorde de público (350 amigos) e de vendas (151 exemplares).

A vocês que não puderam comparecer e têm interesse em adquirir um exemplar, o romance está à venda nas seguintes livrarias:

Leitura do Pátio Savassi
Agência Status
Livraria do Ouvidor
Livraria Scriptum
Livraria da Travessa
Leitura do BHShopping
Siciliano do Diamond Mall
Opus (Rodrigues Caldas – ao lado da Assembléia Legislativa)

Ou então no site www.cogumelodeespuma.com.br

E lembre-se: neste Natal, DÊ COGUMELO DE ESPUMA!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Amor...


É o que nos falta na distância. Nessa falta de perspectivas, nessa ausência de coragem e amanhãs – num futuro que não sabe, mas nos aguarda, e não toma outros rumos. Um convite à espera; uma agonia que escorre lenta e não pede para terminar. Uma paciência suspensa em pensamentos; ora tristes e desolados, ora carregados de esperança.

Amor... é o que nos falta quando nos perdemos no horizonte, onde só sobrevivem os que se alimentam de rumores e falsas possibilidades, nessa ignorância aflita em não curtir hoje o que não sabemos do amanhã.

O que não se espera não se perde.

Amor é o que nunca esperamos.



Texto: Daniel Rubens Prado.
Imagem: Guy Bourdin.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Belo é o horizonte. São 26 de novembro. É madrugada de 2008.

Entro com os olhos perdidos. Sua falta é de casa,
mesmo com as janelas fechadas e as luzes apagadas.

Sua ausência corre as ruas,
Dobra os ventos,
Mas chega à minha cama

aflita

Algumas palavras são mesmo belas. Outras são apenas bonitas.
Você é linda e é tudo o que eu desejo
agora

Sinto pelo futuro.

O presente é o que me toca.
Amanhã tem buracos mais embaixo.
Hoje é feito de sentidos.

Sinto a sua falta.






Dani Rubens Prado

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Cogumelo de espuma



Para fugir da violência do Rio de Janeiro, agravada pela inadimplência do poder público, a jornalista Anni Martinez muda-se para Belo Horizonte. O que ela não sabia é que ninguém foge do seu destino, e combater a perversão do poder seria a sua lição inevitável.

Na capital mineira, Anni recebe uma caixinha de papel mâché com evidências sobre o crime de uma acompanhante profissional. Entre a lista de suspeitos estão senadores, deputados, ministros e até o governador do Estado. Começa então uma verdadeira caçada ao assassino, em que a jornalista poderá contar apenas com o amigo Jovi – esse, um fotógrafo excêntrico que circula no meio político com facilidade, mas que esconde um segredo terrível.

Num clima de traições e mentiras, o enredo se desenvolve para o seu objetivo principal que é narrar sobre os bastidores da política e os mecanismos da corrupção, as ambições do ser humano e sua maneira de atingi-las, suas paixões e os diversos caminhos usados para saciá-las, e a febril sensação de estar acima de tudo e de todos que acometem alguns atores da nossa sociedade.

“Cogumelo de Espuma” é instigante e envolvente, às vezes, concentrado e patético, mas sempre amparado pela realidade, não só do panorama político atual como também da história das pessoas comuns, ainda que esta realidade beire à lenda – fora do ar e do tempo.

A eutanástica jornalista Staël Gontijo lança o livro “Cogumelo de Espuma” no dia 25 de novembro, às 19 horas, no Terraço da Leitura do Pátio Savassi.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Velhice


Quando um velho velha,
O homem que ali vivia
Se empedra: perde a pluma
Da juventude, empluma
A pedra da saudade.
Mirra aquele rio mesmo
Que o trespassava desde feto.
Um velho quando velha
Parte a pedra da memória,
Reencontra a sua pluma
Mas não pode resgatá-la.
Cristal então conformado,
Robustece a sua geologia
E afunda no ar do tempo
A sua vida arredia.




Imagem: Old Man,
Por Yuri B.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

De brejos e promessas



Fiquei um ano sem tomar cerveja. Fiz uma dúzia de promessas. A que ficou de pé foi abandonar os lagoinhas por um ano. Foi isso que falei à minha mãe. Em troca, ela me deu o sorriso mais leve e despojado, na última alegria terrena. Coisa que só mãe pode dar e sentir. – Ave, Maria!

Enfim, um ano sem beber uma gelada, seja loira ou mulata; seja pílsen, premium ou mesmo o chopinho nosso de cada dia. Fui obrigado a desviar minha atenção para outras – bebidas destiladas, vinhos e até doses mais altas d’água.

Ao tomar o primeiro gole, naquela tarde de primavera beirando o verão, senti que anjos tocavam trombetas e anunciavam bonança. Traziam no sopro as boas novas. E foi em meio a uma satisfação do dever cumprido que o malte desceu sem culpa.

No meio da taça de chope, uma brisa esbarrou em mim, antes que completasse sua sina de beijar mais meia dúzia de esquinas. Olhei para o céu, que estava num azul de invejar santos brigadeiros; e sorri, como se pudesse alcançar os olhos de minha mãe.

Foi assim que me senti naquela tarde. E, só de pensar, como diz a prima Jane de Fátima, minha boca virou um brejo.
Imagem: Nelson Maia.

terça-feira, 21 de outubro de 2008



Caros leitores e colaboradores,

apresento-lhes a poeta Diane Mazzoni, esposa do nosso já eutanástico Bruno Grossi.

Seja bem-vinda, poeta!

VULCÃO



A vida destrói o homem.
Sacrifica-o.
Sem mais nem menos,
acontece uma explosão.
Seu sangue espirra
mas não alcança ninguém...


Imagem: Hearty Heart, por Scott Saw.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

La vie en rose!


O Projeto Eutanásia convida vocês para o charmoso e inusitado show Submarino cor-de-rosa, em que nossa eutanástica poeta Luisa Godoy divide o palco com a cantora Sâmia Costa, acompanhadas pelo violão múltiplo de Daniel Godoy.
Submarino cor-de-rosa acontece nesta sexta-feira (17), a partir das 21h, no Cafofo Net Cine. Sua entrada vale módicos 5 reais.
Cafofo Net Cine: Rua Jacuí, 3862, Bairro Ipiranga.
Próximo ao Hotel Ouro Minas.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

ASPECTOS URBANOS


Começa hoje, às 19 horas, na Galeria de Arte Paulo Campos Guimarães, da Biblioteca Pública, a exposição Aspectos Urbanos, onde a artista Iara Abreu expõe suas ilustrações. A artista se inspirou em poemas de diversos escritores sobre o tema. Um dos poemas que serviu de inspiração para Iara é do nosso eutanástico Bruno Grossi, intitulado “Eu tenho medo”.

Aspectos Urbanos vai até o dia 28 de outubro e a galeria fica aberta de segunda à sexta, de 8 às 20 horas. E sábado de 8 às 13. A Biblioteca Pública fica na Praça da Liberdade, 21, em Belo Horizonte.
Vale a pena conferir.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008


Caros leitores e colaboradores,

é com prazer que publico a primeira homenagem à Bahia, terra de Jorge Amado, Caymmi e João Gilberto, da Mãe Menininha do Gantois e dos inúmeros leitores que tanto aparecem neste cantinho lírico. O Projeto Eutanásia tem mais acessos em São Salvador que em todo o território mineiro. É da Bahia o maior número de acessos.

Queridos baianos, o Projeto Eutanásia agradece o carinho de vocês.

Gostaria, também, de apresentá-los ao mais novo colaborador, o poeta e jornalista Vinícius Brandão Gois que, como todos nós, ama de paixão a Bahia.


Imagem: Adenor Gondim.

Praia Bahiana


Enchi meus olhos de sal e sol
Meu colírio é água do mar ensolarada
Gozei na areia meu êxtase de Brahma
Quando pari um filho rouco e espontâneo

Espontânea noite que desarma os consensos
Por mais que olhasse na terra os olhos salgados se voltavam ao céu
E ali eram muitas mais, estrelas, sois.

Então me sento esperando uma cadência decidir
Servir-me com uma flor simplesmente encantadora

Nunca fui tão índio, quando os outros se tornam assombrações nas sombras
E o cheiro que emana não paralisava nenhum olho na paisagem

Irmão, meu! Caralho! O bob Marley louvando é um barato!

Imagem: Queda d'água do Tororão,

terça-feira, 7 de outubro de 2008


Caros leitores e colaboradores do Projeto Eutanásia,

Foram abertas as inscrições para a 1ª Edição do Prêmio de Literatura Universidade FUMEC. O gênero escolhido para o lançamento do prêmio é o conto. Podem participar alunos regularmente matriculados em escolas de ensino médio e superior de todo país.

As inscrições para o prêmio são gratuitas e devem ser feitas até o dia 18 de outubro exclusivamente via postal, por sedex ou carta registrada, com aviso de recebimento. O candidato deve enviar seu conto para a Reitoria da Universidade FUMEC (Av. Afonso Pena, 3880, 4º andar, Cruzeiro, Belo Horizonte, MG/ CEP 30130-009) juntamente com a ficha de inscrição, que pode ser acessada no site http://www.fumec.br/.
O regulamento também pode ser consultado no endereço eletrônico.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Adeus!


Não durmo. Permaneço infame em seu precoce adeus. Continuo com seus braços. Em seus abraços. Seus lábios, em leves movimentos, pairam firmes no pensamento. E já não há lamentos. São saudades, tormento e falta. Folia ébria de quem não quer deixar o que já foi e será. È resistência ao desamor.

Você sobe as escadas, procura a chave. A porta entreaberta. O amor, curioso e gentil, espera...

É de manhã. O domingo nasce entre a favela, a serra e a cidade. Faz frio e o cobertor não me aceita. O cigarro é aceso entre goles de vodka e letras de poesia que doem os olhos e o cotovelo.

É primavera! Mas meu peito inverna em melodias tristes.
Imagem: Underwater Rose.
Por Freg.

sábado, 27 de setembro de 2008

FALA


O fluxo do ouvido está travado,
Não ouço, mas escuto o que eu falo.
Vejo o que não posso.
O que se preza,
Não mata, não dorme, desespera.
O gosto do silêncio está fechado,
O grito do sufoco está calado.
Calmo, vivo, não enxerga.
Já não come, não engole,
Espera.

O homem que não pensa está ferrado.
Ferrado pelo corpo,
Pelo ato.
Não pensa, descansa,
Não se cala.

Como mero semelhante,
Não entala.
O olho do umbigo já não fecha,
A boca do sussurro já não fala.
Versos: Bruno Grossi.
Imagem: A Cidade
Acrílica e Carvão sobre cartão
60cm x 40cm
2008

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Do outro lado do muro


Domingo. O sol iluminava os cabelos dourados do menino. O menino iluminava os olhos do poeta e os enchia de esperança. Entre os dois, uma bola. A bola nos pés do menino, a bola nos pés do poeta.

Tentou um drible, mais um, até jogá-la para o outro lado do muro. Teve medo de perder mais uma bola. Teve medo de trocar a alegria de domingo pelo choro. Mas, antes que o menino derramasse a primeira gota salgada, o poeta lembrou-se de que um dia foi menino. Menino que não sonhava em ser poeta, mas já vivia de poesia - estado de graça.

Tirou o relógio do pulso, sorriu, moleque peralta, puxou um bocado de ar e pulou o muro como nos tempos idos.

Dois arranhões no braço, dos cacos de vidro do muro e da distância que o separava da meninice. E, mais, o dourado de todas as infâncias sorrindo na cara do menino.

A bola nos pés do menino, a bola nos pés do poeta.

Domingo salvo.
Imagem: Bruno Correia.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Presente do Indicativo


Penso em você, é claro,
quando o frio bate e a minha nuca, agora nua,
está longe das suas mãos,
que a aquecem e acendem
a paixão de ter você, enfim.

Penso no vazio que sinto
quando, por não me entender,
eu mesma o afasto e vejo
os lençóis desarrumados
marcando contornos do seu corpo,
que mora ali quando sou amorosa.

Penso nas cores que irradiam
da sua presença, nas flores
vermelhas dos meninos
de Liverpool, no verde da
samambaia, no furta-cor rítmico
cintilante, brilhante, que exala
da sua vocação em tocar meu
coração.

Penso em não soltar
as suas mãos que afagam
a minha dor, que se juntam
como se quisessem me dar
um pouco de ar para beber,
quando de noite o sono
tenta me golpear em alerta.

Penso na minha insistência
em permanecer imperfeita,
e no medo de, por estúpidas ilusões,
ter certeza do contrário e
acabar deixando escorrer,
esvair a única fonte do
verdadeiro amor que conheci
desde que a vida me deu você.



terça-feira, 26 de agosto de 2008

Um dia

No canal um rio frio
A rua possui meus olhos tristes
Na cidade o dia se fecha
Outro homem perde a memória

terça-feira, 19 de agosto de 2008

CACTOS


A sombra me persegue,
Sob a névoa
Não consigo me mover.
Sou incompreendido,
Preso em um muro
Ou em meu próprio pensamento.
Meus olhos já não fixam em algum lugar,
Como a lua pára para te olhar.
Estes vilipendiados olhos
Doem, choram e imploram
Para que fiquem só.
Não consigo me livrar
Do infortúnio calar.
Sinto pessoas a me olhar,
Como um animal devora
A sua insípida carniça.
Creio que irão matar-me.
Sinto-me desprotegido, frágil, inútil.
Sinto-me sem amor, sem dor e sem desejo.
Já não sei o que fazer,
Procuro a solidão
Para que a minha trágica energia
Não contagie as pessoas.
Para que o meu olhar
Não cruze com os demais.
Assim terei meus próprios sentimentos,
Meu próprio coração,
Que a cada despertar
Encontra o silêncio.
Estou surdo e cego,
Estou inválido.
Submeto-me ao inoportuno desespero,
Ao incômodo calar.
Viver agora dói,
Não mais a quero.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008



Nosso mais novo eutanástico, o jornalista Pablo Casarino, resolveu dar as caras e nos contar um pouco da sua experiência em terras africanas. Antes de qualquer poesia ou transbordamento lírico, o nosso correspondente em Moçambique nos mostra a realidade dos seus mais novos amigos.

Bem-vindo ao Projeto Eutanásia, Pablito!


Isso é África!

Há seis meses na África, precisamente Moçambique, pude verificar o quanto essa terra é rica, porém subjugada nas mãos dos exploradores da indústria da fome. Pude perceber muitos contrastes. Nunca observei tantos carros de luxo a circular pelas ruas. Difícil se deparar aqui com uma dessas “furrecas” que encontramos em nosso país, interrompendo o trânsito e provocando quilômetros de engarrafamento. Empresas estrangeiras e organizações não governamentais utilizam veículos de luxo por, no máximo, um ano – e, ao aparecer o menor dos defeitos, cuidam de os exportarem para algum parente por preços irrisórios, trocando-os por novos.


As ONGs (não quero generalizar) vêem nesse pobre continente, uma forma de maximizar seus lucros, às custas dos que mais precisam de ajuda humanitária. Ajuda esta que não se resume apenas em alimento, vestuário, material escolar ou medicamentos, mas também em uma dose de carinho e atenção. “Estamos aqui, não queremos ser apenas seus bancos”.


Vivemos brigando e fazendo campanha contra o trabalho infantil no Brasil. Aqui, meus caros amigos, campanhas com esse cunho, significaria bater em ferro frio. Até hoje, não consigo me conformar em ver como crianças tão pequenas, ou miúdas, como se denominam aqui, são capazes de carregar fardos de diferentes géneros alimentícios na cabeça – arroz, milho, tomate, papaia, alface, etc, como se ali carregassem toda a tristeza do mundo. E o pior: são, a todo momento, questionadas sobre os preços dos produtos vendidos, entregando-os a valores mínimos, não obtendo sequer o lucro suficiente para novamente encher os cestos na manhã seguinte para continuar a labuta.


Pois é, as crianças. Muitas são as formas de exploração a que são submetidas as crianças nesse velho mundo. Mesmo antes de terem seus corpos formados, crianças, principalmente meninas, já se iniciam na vida sexual. Bandidos, assim os denomino, estrangeiros ou locais, acham normal manter relações sexuais com meninas de quatorze anos ou até menos. Denominam essas crianças de “quatorzinhas”. Brincam na maior naturalidade em mesas de bar: “essa é a minha saideira, tem uma quatorzinha me esperando em casa”. Letras de bandas famosas fazem referência a essas “quatorzinhas” em suas canções, como sendo troféus, principalmente nas mãos de homens que serviriam para serem seus avós. Juro, meus caros, que chorei ao ver essa constatação. Crianças que são pegas na porta de casa, ainda com bonecas nas mãos e com o consentimento dos pais, que ao final do mês, recebem uma merreca de meticais (moeda local), para ajudar no sustento da família.


Dentre as inúmeras coisas que me incomodam, queria ainda fazer alusão a só mais três que acho primordial destacar. Defendendo um pouco o público feminino, um fator que me deixa irritado é a forma em que muitas mulheres ainda são tratadas aqui. Vivem como se fossem “As Mulheres de Atenas” de Chico Buarque. Atingiram um grau de independência trabalhando fora de casa, ocupando importantes cargos públicos, porém ainda não são tratadas com o devido respeito que merecem. Vivem como se fossem serviçais de seus maridos.


Os empregados aqui, de qualquer espécie, principalmente os domésticos, são tratados (outra vez, sem querer generalizar) como escravos. Regra-se tudo. Ganham em três meses o que eu gasto aqui em uma noite, com amigos num buteco. Possuem uma carga de trabalho super cansativa. Muitos trabalham de seis da manhã às dezessete horas, fazendo de tudo. Isso me chateia muito. Algumas pessoas acham um grande absurdo minha funcionária ganhar novecentos meticais, chegar às oito da manhã e sair às quatorze. Mas eu não consigo mudar o mundo não é. Tento dar minha contribuição, porém....
A questão da disseminação da Aids. Não sou pessimista, mas acho que ainda está um pouco longe para os africanos conhecerem uma geração com baixos índices de soro positivos. Não sei se por uma questão cultural (ainda está muito cedo para eu poder fazer um julgamento preciso) porém, a poligamia aqui é coisa quase corriqueira. Muitos homens possuem mais de uma família, ou mantém relações extraconjugais. Nada melhor para a disseminação de uma doença que sem parecer exagerado, está promovendo uma verdadeira devastação no continente.


Mas, quero frisar que minha intenção, principalmente ao escrever pela primeira vez para o “Projeto Eutanásia”, não é a de oferecer aos leitores algo tão pesado e carregado de informações tristes. Poderia ter enviado uma poesia, uma crônica, um conto... Porém, entendam isso como um desabafo, escrito sem me preocupar com nenhum padrão estilístico, nem com formas. Escrito como um verdadeiro escarro, tapa na cara. Coice. Soco na boca do estômago. Não quero entrar com o pé esquerdo, e sim, despir-me de toda a parte que me aflige aqui neste continente, para poder assim, enviar-lhes posteriormente belas informações sobre as maravilhas que se pode encontrar por aqui. Não se vê apenas coisas que nos entristecem aqui nesse lado do mundo. Pelo contrário. Quando digo de contraste, o que mais se contrasta aqui na África, e especialmente onde estou, Moçambique, são as dores com as lindas cores; paisagens, povo receptivo, com alegria de viver, mantendo-se fortes perante as adversidades.

Texto e imagens: Pablo Casarino.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Breve história de um anjo


No fim da tarde, antes da primeira estrela aparecer no céu, um anjo triste e sonhador pairou no ar da cidade. Poucos o viram, pois nessa cidade, cercada por prédios e fumaça, quase ninguém mais olha para o céu.

Apenas uma menininha, dessas que os anjos nunca se esquecem, lançou seu olhar despreocupado para cima. E, em meio à fumaça e ao resto dos raios de sol, fez com que o anjo triste sorrisse.



Imagem: Bhavna.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Discutindo Saudade


Saudade é um vocábulo próprio do nosso idioma, afirmam os portugueses. Se o é realmente ninguém pôde provar, tampouco o conseguiram um sinônimo em outras línguas. Os estrangeiros, ao aprenderem tal palavra, encontram um substantivo que nomeia o sentimento de ausência de uma pessoa ou lugar.

Nós, os filhos deste Gigante Tropical, tínhamos que inventar ou buscar nos recônditos da prosa do rei de Portugal D. Duarte, onde saudade se escreve suidade, uma denominação para o calor que o coração latino exala ao se afastar dos seus amores e bem-quereres.

A saudade está presente nas relações do brasileiro, por natureza. Outros povos poderiam questionar, e eu entenderia perfeitamente tal questionamento, o que vem a ser essa danada. Nenhum espaço apertado de um papel fibroso, ou como impõe a modernidade – nenhuma folha computadorizada, nenhuma reflexão ligeira e nem um minuto de imaginação, bastariam para garantir, numa única palavrinha, o seu sincero significado. Em alguns idiomas precisaríamos de uma frase inteira para expressar esse calor feiticeiro.

Os curiosos se perguntam onde nasceu e o que é a saudade. Ela já virou monografia, tese de lingüística, ocupou o tempo de catedráticos, foi motivo de insônia a discentes excepcionais, e nem assim chegou-se a uma conclusão confiável.

O fato é que saudade é coisa nossa, brasileira, e como expressão singular, há de denominar sentimentos complexos. Saudade é o choque de temperatura: quando fervemos de emoção e uma onda fria põe-se a nos resfriar, sentimos no peito um peso maldito... é a saudade; e quando um fogo abrasador derrete a geleira do coração, despedimo-nos da dor e sentimos a alma flutuar... sim, flutuar, pois saudade pode ser serena ou turbilhão.

Saudade é tudo, é a falta de membro num corpo são.

O beijo de despedida compartilhado rapidamente no portão, motivando suores embaixo do lençol pela madrugada afora, é a saudade cúmplice. Uma lágrima voluntariosa que inunda o túmulo dos entes queridos em dias de finados, certamente é saudade fatal. O estremecer do corpo estirado numa cama solitária de hotel é saudade parceira. O filho que ainda não veio é saudade esperança. Os lugares desconhecidos, é a saudade sonhadora, e as recordações de ontem é saudade imediata. O arrumar fotos no álbum de formatura, ah... é a deliciosa saudade primavera! O bilhete aéreo da lua-de-mel encontrado na mudança resultante da separação, que pena, carimbou-se de saudade dividida. E... sempre, o ronronar ancião que emerge das cadeiras de balanço, delicadamente dispostas de viés na varanda ensolarada, aonde as avós se põem a recordar o passado, só pode ser a saudade afortunada.

Por descender de um império a saudade é forte e lustrosa, destemida e conquistadora; mas assim como foram vencidos os romanos, vencemos dia a dia as aparições febris desta espécie de lembrança dolorosa. Mas... como garantir que a saudade nasceu de solitas, solitatis? A saudade pode ter se enfronhado, se debatido com outros tantos povos ancestrais... ela pode, por exemplo, ser namorada do durere – romeno amargo que por si só nos esclarece a dor; ou prima robusta do crioulo cabo-verdiano que nos segreda anseios num doce gemido de sodadi.

Mesmo após decifrar sua linhagem, expor as suas ramificações, preferencialmente em forma de diagrama ovalado, o Brasil ainda há de perguntá-la: porque viajastes tanto antes de descansar sobre os meus coqueirais?

Hoje penso, finalmente, e insisto em acreditar, que a saudade veio das fronteiras da Espanha, sob escrita arredondada de soidade, para ser expressão primeira do povo brasileiro. Após a sua partida, os galegos choram desolados, compreensível, restaram-lhe apenas soledad.

Antes de classificá-la com um nome ou apelido, o país já se perdia nas vertigens desse enorme sentimento. Então, eu me pergunto: que me importa saber de onde veio esta palavra apimentada se ouço a sua voz em todas as tardes assombradas? O importante, não há dúvida, é destacar que o seu inventor, seja ele quem for, esqueceu-se de emprestar à saudade, uma cor qualificada. Se o amor é azul, há que se pintar a saudade de branco, de ausente; porém, se acaso ela cobrir os pensamentos com todos os raios luminosos visíveis incidentes, há que aceitar a sua verdadeira origem: a saudade veio da composição elementar de um instante obscuro.
Texto: Stael Gontijo.
Imagem: Pamela Masik, da coleção Pain in the Faces.

terça-feira, 17 de junho de 2008

AUTO-ESTRADA


meu amor tem a urgência
de sirenes de ambulância
apressa o passo lento
do passado e da infância
contorna praças viadutos
a contorno é minha errância


meu amor tem a pressa
de cortar o vento elétrico
corre-corre do mosquito
dengue em canto métrico
meu amor tem perna curta
se vacina com cicuta


meu amor está sedento
ele cruza os cruzamentos
atropela os viajantes
dos palhaços faz migalhas
meu amor quer seu amante
mas eu nunca chego à tempo


meu amor se apavora
ele nunca sabe a hora
meu amor se acelera
contra um muro de cimento
ele sabe do tormento
que é amar e se devora


meu amor é mclaren
ferrari luz e banda larga
quanto mais ele corre
mais a pista se amarga
meu amor é vagabundo
roda o mundo
e se atrasa
Imagem: Autor desconhecido.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Caixinha de Musica



Lembra daquela vez em que entre você e eu tinha ele, que depois virou outro, aquele, o amigo fiel e da noite pro dia eu, você, ele, o amigo e mais o mundo inteiro diziam não? Mesmo assim, nadando contra a corrente, furando ondas gigantes, o nosso amor nasceu pra ficar guardado. Caixinha de música que quando abre toca a música mais linda que existe, que faz rir e faz chorar, mas quando se cerra a tampa, faz-se o maior silêncio e dói.

De tempo breve e de brisa batendo no seu ouvido, da janela, na montanha gelada enquanto tentava falar comigo numa distância e água infinitas, vivemos à espera. Da espera fez-se a resignação e a vontade de andar, de viver. Não, não houve desilusão quando eu disse que partiria rumo ao outro lado. Houve a vida nos chamando e como somos assim, fomos, apenas.

De dois corações e uma linha que os unia, perdendo a cor cada dia que passava, restou muito pouco para o que, antes, a espera se valia. Pra não morrer de dor, dobrou-se o amor, ficando cada um com seu cada qual, e tudo o que passou já não fazia mais sentido.

Mas quando você voltou, ao contrario do que imaginávamos, eu estava aqui também, no mesmo lugar aonde me deixou. O nosso amor ainda estava estático, como aquela foto que você tirou sem que eu percebesse e depois me deu, para que eu soubesse que seus olhos me vigiam mesmo quando não estou vendo. Já não podíamos dar corda, pois a caixinha não poderia soar nenhuma música, porque tudo se tornou tão delicado, que qualquer passo errado, acabaria com a nossa dança.

E o que fazer com nossos olhos quando se encontram e despertam o nosso tesouro ainda não encontrado, ou, talvez, até encontrado, mas enterrado de novo para não tornar fácil o que, por contingências humanas, preferimos dificultar?

Sorrateiramente, damos a conta gotas, um ao outro, um bocado do amor que nos pertence, mas que por causa de um maldito oceano vago, irreal e enormemente no seu pensamento, nunca saberemos se ser felizes juntos seria parte do enredo. Como num jogo de azar você jura estar certo em quem apostar, mesmo deitando a cabeça no meu peito, enquanto lhe faço sonhar.


Imagem: Two Dancers in Blue, de Edgar Degas.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Tamborzinho de guerra, não!

Outro dia, conversando com amigos durante o almoço, uma teoria me tirou o ar. Um colunista de um determinado veículo de comunicação constatou que existem dois tipos de pessoas: as que vêm ao mundo para transformá-lo e aquelas que são responsáveis por fazer volume, procriar. O papo rendeu bons argumentos e, entre eles, o de que, para alguns, não há mais vez. Pronto, era tudo o que eu temia. Essa idéia me perseguiu durante toda a tarde atribulada de serviço. E agora? Quando a gente sabe se faz parte do primeiro ou do segundo grupo? Com meros 23 anos, será que ainda posso escapar desse destino fatídico de não contribuir para fazer do mundo um lugar melhor de se viver?

Até agora não consegui criar nada de útil para humanidade, nem fui capaz de disseminar teorias que ajudem na compreensão e evolução do ser humano. Bom, nem inventora, nem filósofa. Pra tentar me consolar dessa lista tão divergente, me dei o luxo de criar uma nova categoria. Daqueles que não nasceram para povoar e que sim, fazem a diferença, mas para o mal. É, existem esses também. Bush, Sadam Hussein, José Dirceu, grandes gênios. Pensei, não sei se é vantagem não integrar esta classe, mas já é alguma coisa. Foi então que refleti um pouco mais e percebi que também não escapo. Não sou de economizar água, deixo luzes acesas, jogo guimbas no chão, uso saco plástico, sou egoísta, não faço caridade, pra citar. Não sou nenhum Hitler, mas faço a minha parte. É pouco, talvez, mas de grão em grão...

A situação realmente é pior do que eu imaginava. Mas quem sabe as pequenas atitudes que temos no dia-a-dia contribuam para mudarmos a vida de quem está ao nosso lado. Posso não ser nenhuma sumidade, mas talvez minhas idéias, não praticadas, influenciem àqueles que concretizam planos. Ou então o carinho, amor e amizade que ofereço fortaleçam os que precisam e os façam confiar mais em suas ações e em si mesmos. Enfim, se a cada dia eu puder fazer uma pessoa mais feliz, então estarei bem. Desculpe-me caro colunista, mas é dessa lista que quero fazer parte. Se isso não contar... Bom, é melhor eu ter logo um filho.

Texto: Bella Grossi.

Imagem: Asboluv.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

VENTURA


Eu vi, num átimo de sorte
Quando respirei,
Quando parei no tempo e congelei as cores do dia
Você andando, pé ante pé
E passando os dedos no muro da rua

Fosse aquele, ó meu Deus, o momento sem fim da minha vida
Paralisaria o mar, o vento e qualquer vulcão atrevido
Para ser meu aquele instante
E apreciar meticulosamente, contemplar

Ver você, ao longe, passeando
Quem sabe, ora me fitando?
Ver seu desenho, obra da mais real beleza
Ver você, sem mais que isso, sem ter para quê

Estaria lá, meu amor, vendo
Observando, cada centímetro de detalhe
Tecendo minha memória para ser eterna
Sua pele, alma, transluzindo minha felicidade
Poesia: Bruno Sales.
Fotografia: Lidor Wyssocky.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ELEMENTOS


Num céu de azul denso
Alguns vestígios de sol espelhados nos prédios
uma brisa calma me toca o rosto
numa tarde silenciosa, triste
mas essencialmente bela
____
Árvores frondosas
levemente folhadas
ou carecas
cada qual com sua particular beleza
____
O tempo passa e a noite se aproxima
A música, a perfeita harmonia com o vento
A paz estranha, a paz incompreensível
queima a tez por dentro
e a brisa afaga todos os incômodos
____
as folhas se agitam sutilmente
como se quisessem saltar e depois desistissem
mas logo voltam insistentes ao seu suicídio
Imagem: Last Leaf II, por Edward Holmberg.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

AMOR HIBERNADO


Acredito em nós.
Amor de pingüim!
Você longe de mim...
Coração cheio de nós!

Brisa gelada
Remete-me sua presença.
Clima árido
Lembra-me sua ausência.

Amo. Venero - Não vivo sem!
Amo você bem junto,
Mais ninguém!

Sua pele bronzeada,
Minha saudade escorre apaixonada.

Lábios, fluídos, abraços...
Esperança de eternos laços!

Sem você,
Choro, solo, seco, imploro...

Amor de espera.
Mulher eterna
Que em mim hiberna,

Até no próximo
Inverno.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

ESPOSAS E ESPELHOS


eu te remeto a um cubo de açúcar
sou miúda e delicada
bastando uma pequena violência
para que me desfaça, polvorosa

sem esquecer o sabor doce
e a dose contida
pois todos compreendem que não se pode
de maneira alguma
ser enjoativa

você desembaraça meus cabelos
receando que se atrapalhem
e me cala com um repentino beijo
quando externo um átimo do que concebo

você não sabe
que mulheres são medusas
e transformam em pedra
quem as enxerga com verdade?

você talvez saiba
e por isso me ata
temendo minha virtude

eu sou a deusa dos ventos
mas você acha singelo
quando eu cerro as janelas
dizendo “faz frio”

você está apreensivo
que medo tensiona seus ombros?
você talvez tenha sentido
tremerem as montanhas
quando sussurrei seu nome

num dia de chuva você me cobriu com zelo
sem entender que eram lágrimas que caíam
porque eu sou senhora do tempo
e quando sofro
e choro,
eu chovo.
Imagem: The Maroom Cafe, por Katia Chausheva.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

CONCLUSÃO



Já que todo
amor um dia
pode acabar

Todo dia
me acabo
de tanto amar

E sei que
quanto mais
eu amo

Mais amor
tenho para
dar.







Ana Flávia Rodrigues.
Imagem: Head on Heart, de Troy Henriksen.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

OFÍCIO

Isso de amar a palavra, ordenar a frase na medida da lauda, arrancar dos fatos ácidos do cotidiano algum sentido poético de cronista;

Isso de ordenhar do verbo. Evitar a repetição, criar novos formatos para velhas fôrmas;

Isso de correr contra o relógio, de abrir email, falar ao telefone, anotar números sem nomes, perder o ar;
Isso de escolher uma imagem, de acolher uma seqüência, aceitar o corte;

Isso de "entrar ao vivo", isso de improvisar no 1º, no 2º e no 3º ato, decorar passagens e ser instrumento passageiro;
Isso de correr. Isso de estar entre fios e máquinas. E entre gentes e histórias. Isso de não poder mudar histórias. Isso de contar histórias. Isso de se saber parte, de sentir angústia, de fazer hora extra, isso de olheiras e de café;

Isso de assinar. Isso de anonimato. Bloco de notas, caneta sem tinta, atrasos e trânsitos. Isso de se embriagar. Para esquecer, para lembrar, para tornar lúcido e trazer à tona. Isso de ter na bagagem um pouco da loucura dos poetas, isso de Internet e cheiro de livro. Isso de antíteses.
Isso, sobretudo, de acreditar.

Texto: Val Prochnow.
Em comemoração ao Dia do Jornalismo.
Imagens: Autores desconhecidos.

quinta-feira, 3 de abril de 2008


gotas de chuva
corpo molhado
seios maduros
Daniel Rubens Prado.
Imagem: Woman in the waves, by Gustave Courbet.

quarta-feira, 26 de março de 2008

RECOMEÇO


- Eu não posso mais viver sem você.
- E eu com você.
- Minha vida não faz mais sentido.
- A minha começou a fazer.
- É o fim?
- Não pra mim.

Texto: Bella Grossi.

segunda-feira, 17 de março de 2008


Por trás do sorriso


O homem por trás do sorriso
Não chega a ser triste ou calado.
Não apresenta fraquezas
E não se preocupa com incertezas.

O homem por trás do sorriso
É mais bonito que o sorridente.
O sorriso prende esse homem,
Prende suas verdades.

O homem por trás do sorriso
Não diz uma palavra, mas não é triste.
Esse homem conhece o mundo,
Tristezas e alegrias – realidades e fantasias.

Leva-me pelo mundo inteiro, procurando
Não sei o que é, e não me importo.
O homem por trás do sorriso não diz uma palavra;
Mas sorri e segue sua jornada.

O homem por trás do sorriso não é velho,
Nem seu sorriso é ouro amarelo.
Sorriso branco de paz e harmonia,
Sentimento verdadeiro, sem fantasia.

O homem por trás do sorriso
Não me traz tormentos, só bons momentos.
É ele, noite e dia, apenas e somente alegria.

Esse homem por trás do sorriso
É apenas um homem
Por trás de um sorriso,
Mas eu o chamo de pai.


Texto: Leonardo Dias
Imagem: Shadow, by Michael Scheirl.

segunda-feira, 10 de março de 2008

quinta-feira, 6 de março de 2008


A manhã



Na madrugada latente
uma dose, um estímulo
um corpo cansado
brinca com a trilha,
ora sol-das-almas, ora ar-de-dia.




Bella Grossi.
Imagem: Fernando Luz.

terça-feira, 4 de março de 2008

Projeção cinematográfica de um haikai


Tomada 1:

O vento gelado
Na varanda de manhã
Vapor de chá quente


Corta!


Tomada 2:

O vento de gelo
Amanhecer na varanda
Chá verde em vapor


Corta!


Tomada 3:


Sopro de ar gelado
Amanhecer na varanda
Chá verde em vapor


Corta!


Amanhã a gente continua...



Imagem: Autor desconhecido.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008


sopro divino

carinho de asas

o vento balança o ipê




Imagem: Lilia

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Asamao: para alçar vôos


Era tão descabida em si que toda vez que ficava sozinha olhava para suas mãos. Não as reconhecia como suas, desentendia aqueles dedos e, sobretudo, a palma branca, cheia de linhas confusas e misturadas; feito novelo de lã da cesta de vime da casa da avó que já não há. Entrava no banheiro de casa, logo depois do almoço, logo depois dos encontros festivos da grande família (que também já não há), e sentava-se no chão – que a mãe sempre advertira ser chão sujo, esses de banheiros, só para ter a sensação do estranhamento. O estranhamento das suas mãos. E ficava por horas assim: nesse fixo exercício de se perceber.

“Não é minha essa mão, não é essa minha mão!”

Abrir e fechar; mexer os dedos lentamente: palma, dorso, palma, dorso, palma, dorso. Bater palmas é voar? Não, definitivamente. Reconhecer a mão, tocar os pés n’alguma coisa que não seja o chão talvez seja a chave pr’algum entendimento. E sempre que o desconforto no quadrado do chão sujo (?) do banheiro calhava de vir, por encanto, a necessidade de ares de terra surgia, imediata. Corria, a menina, para o topo da mangueira. Mangueiras costumam ser generosas: galhos em forma de bancos, de braços que recebem pássaros, gentes, calangos e tudo mais que respira e tem desejo de abraço.

De lá do alto, olhava os pés. Porque os pés não causam espanto? Estranhos em forma - são reconhecidamente seus. Embala os pés ao sabor do vento imaginário e sente-se dona dos pares: embora aprecie mais o esquerdo, mais torto e dotado de feridas e arranhões: sempre gostou de cicatrizes e nunca usou trabalhar tatuagens previamente estilizadas. Prefere o arrombo de um tombo, a marca de um desvario e de um descuido. As tatuagens do acaso, talvez.

E as mãos, ali. Ainda a causar estranheza sublime. Agarra o galho próximo e isso não é uma desverdade. A mão, em utilidade, é real. Mas pairando no ar, dorso, palma, dorso, palma, dorso, palma, dorso, palma, é um mistério obtuso e indecifrável, ao menos a ela, sempre, que se dava ao exercício da contemplação.Cresceu, a menina. Tomou ares de mulher. E ainda sozinha, agora, não mais somente no banheiro da casa, ainda cisma de verter o olhar para as mãos. E busca, incessante, o sentimento de tempos remotos: a estranheza de não se saber, aquela estranheza pura e adocicada e febril que tanto comovia a criança de antes, aquela estranheza incômoda e arredia. Mal sabia, a menina, que ali estavam, nos mistérios das mãos, a chave para toda a percepção do que hoje é o maior mistério: o de desvendar seus desusos, habilidades e fazê-las, das mãos, o par de asas indispensáveis para os vôos intangíveis d’agora.



Texto: Val Prochnow.
Imagem: Woman's hands holding a cigarette, do site http://www.allposters.com/

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Entre beijos e cigarros


Pelo beijo de antes, pelo cigarro de depois

Seu corpo repousa. No interior, pela janela, uma luz de prata cobre seu rosto. Não passa muito disso: Eu observo, você dorme.

O feixe que a ilumina entra embaçando o que há de tristeza. Ficam apenas saudades e melancolias. Chamemos do que quisermos. Afinal, somos o que fazemos. E assim seremos. Leves como um pensamento bom no final do dia.

Passa ano. Passarinho. Pouso no seu canto. O fim abre espaço para o nascimento. Aborto a dor, a solidão e recrio um mundo preparado para o amor.
Somos assim. Viveremos felizes e iludidos. Tropeçaremos, apenas, em certas lamúrias, que não encontram o tom. E, sobretudo, sonharemos. Afinal, quem sonha desperta.

Pelo cigarro de antes, pelo beijo de depois

Nada virá sem carinho, como as águas mansas do ribeirinho.

Garotos puxam fumo, meninas chupam mangas.

E pelas encostas de nossas Minas, com a poeira enganosa que faz barro da gota de lágrima da moça triste e salga as estradas vermelhas do interior, deito a cabeça sobre o colo macio da mulher amada.

Confusa loba do mar; menina do rio que tem medo de se afogar. Assim como deus e dois são cinco, somos dois astronautas sem ar.

- Carpem, carpem, carpem! – diria, em latim, o poeta social morto.

E é melhor morrer de leveza e encanto, vodka e vinho, ternura e amor, no abrigo de fontes da pátria – gentil e suave, com os braços abertos para uma liberdade, ainda que tardia, na sexagésima nona útil tentativa de sorrir sem culpa. Sem a mácula de dominar o jorro corrosivo do gozo. Sem a vergonha de vê-la entregue a este mundo amado, naturalmente gozoso.

Texto: Daniel Rubens Prado

Imagem: Autores desconhecidos.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

MAMA ÁFRICA


A nossa eutanástica Ana Flávia Rodrigues viajou pelas paragens da Austrália e acabou indo parar na África do Sul. Ela preferiu ser nossa correspondente no continente africano, do que relatar a riqueza e a beleza óbvia da Oceania.



Hoje, aqui na África, precisamente em Joanesburgo, vi e vivi a mais completa contradição em relação à Austrália. As pessoas, as ruas, as casas – mulheres com seus filhos carregados por panos amarrados nas costas; os dialetos, o jeito de nos olhar bem no fundo dos olhos – meio branco-avermelhados, destacados no meio da pele negra, negríssima, ofuscada quando eles sorriem. E isso é fácil de acontecer. Com todas as dores do mundo em um mesmo lugar, eles sorriem muito. É puro fascínio. Lembra-me um povo que está do outro lado do oceano.

O principal dialeto, o zulu, é o mais falado. Logo aprendi algumas palavras básicas para tentar ser o mais gentil possível com as pessoas daqui. Entro nos lugares e digo “sawubona” e, com sorrisos largos, eles me respondem “kunjani”. Retruco mais uma vez dizendo: “ngyaphila” e todos passam do sorriso para o riso, espantados porque uma turista está falando zulu. Não é nada demais; apenas uma seqüência comum de “Olá, como vai você?”, “estou bem”. Finalizado com o obrigado – “ngyabonga”. Fiquei pensando sobre o espanto deles e percebi, depois que perguntei ao meu guia do dia, que raríssimas pessoas se interessam pela língua deles.

Em Soweto, onde viveu Nelson Mandela antes de ser preso e apenas dez dias quando foi solto, 27 anos depois, comecei a andar pela classe pobre, semelhantes às nossas favelas, com aquelas casas improvisadas com tudo que pode ser reutilizado. Porém, são menos “sofisticadas”, pois não vi nenhum “gato” no telhado. Eles não têm eletricidade. Luz só se tem com velas. Rádios e televisões com baterias de carro. Água é artigo de luxo – eles costumam buscar em algum poço nas redondezas. Conheci uma casa onde tinha couve plantada no quintal. Que maravilha! A dignidade impera diante a pobreza. Lembrei-me de uma certa gente humilde do outro lado do oceano. Que vontade de chorar...

Passei pela classe média e depois pelas casas dos ricos. O meu guia, o Moses, mostrava entusiasmado as casas grandes, que para mim não tinham nada de extraordinário. Ele falava: “Esse povo tem muito dinheiro”. Imaginei o que seria ter pouco ou quase nada aqui. Então, fui à casa do Nelson Mandela.

Almoçamos e, para minha felicidade, comi frango ensopado, arroz à grega, carne de panela e feijão! Ah, feijão depois de mais de 35 dias. As cozinheiras... daquele tipo Maria, sabe? Com bundas enormes, panos amarrados na cabeça e um jeitão matriarcal. Certas pessoas, que vivem do outro lado do Atlântico, não fazem a mínima idéia do quanto somos profundamente africanos.
Estive no museu do Apartheid. Sim, chorei. Fiquei indignada com a ignorância dos homens e emocionada com outros que fizeram e fazem valer a pena toda a luta pela liberdade e pela dignidade. Lá, vi uma frase que me lembrou o povo brasileiro: “O homem não pode se livrar dos problemas, mas pode, de vez em quando, deixa-los “flutuando”. Assim como nós fazemos na ofegante epidemia que se chama carnaval.

Mama África é demais.
Um bom feriado para todos.

Ana Flavia Rodrigues – Joanesburgo.
Verão de 2008.
Esta propaganda circulou por aí, mas muita gente ainda não viu. Vale muito a pena. É fantástica!
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