domingo, 5 de dezembro de 2010

As coisas circenses


Uma pequena pausa. A hora quarta já está pelo fio de five minutes. Inverno de agosto. O céu de brigadeiro. Azulzíssimo com raios de inversão térmica.
Pondero sobre aquela coisa circense de irmã mais velha. O telefone já tinha tocado, já tínhamos conversado e quando reli uma petit carta, quase pouco petit antiga, vi toda a cena. Um vestido florido de botões miúdos. Solto. Um cabelo já como manda as regras a partir dos quarenta, bem curto. Embora odeie cabelos curtos e adore as saias.
E um portão de ferro, batido e velho, claro como ou mais que a irmã.
Uma conversa pequena. Um café antes de sair. Lembranças de uma carona pairando sobre a cena. Reticências.
Talvez mini flashbacks, que lembram biscoitos água e sal temperados. Não te parece?
Agora vem o circo. E as coisas ensaiadas: um último conselho entre aquelas coisas de parte, não parte. Um recado tardio lançado com a mão levemente. E uma última pergunta sobre aquele amigo que faltou nas conversas lá de dentro.
Mas a hora chega - mais uma olhada e uma saída com uma frase estalada para fazer rir. Já de costas, a cabeça balança um pensamentozinho bom.
O portão range que range e mais uma graciosidade vem para se despedir:
- Cê vai ao circo???

E lá de longe a resposta irônica e desejada:
- Sempre!

A lona cai. Os deveres de dentro chamam. Os passos atravessam a rua estendida.
Outros circos virão: trapezistas, elefantes, zebras. Quando muito, cães amestrados e nós, irmãos, às vezes de mágicos, às vezes de palhaços.


Texto: Ana Guerra.
Imagem:
Sandy Kim

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Nem mias


tarde triste
tarde feliz
repousa ante o meu nariz
não, eu não sou a tarde
sou feliz sem ser felicidade
e você
quem é?

entrou
se despiu
entrou
saiu
rapidamente
deixou
vazio
somente

entrou
saiu
sem pensar

pensou ressalvar
ressalvou sua pele
sem um arranhão
não sei arranhar
garanhão!
não sei arranhar
não escondo
minhas garras
mas jogo assim
não é pra ganhar
não pra mim
perder sim
assim ganhamos
sempre
Poesia: Kamilla Mota.
Imagem: Xiao Peng.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Eduba Mesopotâmica



Acordo cansada
Triste acabada
Mas, mesmo assim me levanto
Num pranto

Gritaria pra todo lado
Papai grita: estou atrasado!
Mamãe grita: pare com esse choro atordoado!

Então tá:
Na escola vou ficar
Estudar, decorar
Tudo igual
Desconfortável
Nossa, quantos clones! Uau!

Vamos, começou!
Professora pede, a gente repete.
Quem erra se borra.
Lavem a palmatória.

3x2=6 3x1=3
De repente vem uma vontade...
Preciso ir ao banheiro.
Mas, se a professora souber,
Me bate.

Chegou o intervalo
Vou comer
E como uma estrela cadente
O tempo passa a correr

Logo vamos para a sala
Cada cadeira em sua ala
Agora é só estudar,
Aprender, decorar.

Até que enfim
A tarde passou
Vamos para o quarto
Comer doces sem fim

Mas chega a senhora, apaga a luz e fala: não façam hora!
Então é agora!
Fecho os olhos,
Mas a dor não vai embora.

A dor me aflige.
Penso: fecha os olhos e finge.
Mas não dá
A dor em mim está a aflorar

A dor da saudade
Da humilhação

Quero fugir da escola
Fugir do meu coração
Quero viver a infância
Quero respeito
Quero meus direitos!


Texto: Júlia Pereira Vargas.
Imagem: Filme "The Wall", do Pink Floyd.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010


O que eu sinto é um nada.
É um nada cheio de inquietações e dores se retorcendo dentro de mim.
É um grito feio, gutural, fétido e nojento.
Quero me afastar de mim.
Preciso.
Não sei por que os caminhos sempre levam ao mesmo lugar.
Estou sempre de volta ao ponto de partida.
Não posso mais percorrer as mesmas veredas se elas não me fazem chegar aonde eu quero.
Eu sempre busquei pelo mar, pelo sol, pela claridade.
Hoje só quero que meus passos me levem a algum lugar onde ainda não fui.
Por onde andará a minha alma?
Meias verdades.
Sempre meias verdades.
Ainda não conheço o fundamental das coisas.




Texto: Marcela Chaves.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Solidão

Existiu, há milhões de anos, uma velha, muitíssimo velha e igualmente muitíssimo solitária. Não existiam outras pessoas, nem bichos, nem plantas, nem nada... Então, ela pôs-se a chorar e pediu a Deus que lhe desse companhia, pois se sentia muito infeliz e só.
Para experimentá-la, Deus enviou-lhe primeiro um monte de mosquitos, pulgas e formigas, que a atormentavam a todo o momento!
Depois, satisfeito com a sua paciência, recompensou-a, enviando ao mundo flores, pássaros e mil coisas belas, que encantavam a vista e alegravam o coração. O chão da choupana da velha cobriu-se de denso tapete de lindas florzinhas rasteiras, de todas as cores: verde, amarelo, azul, vermelho, lilás.
Ela era velha, mas não sentia a velhice. Tudo para ela era alegria, paz e encanto. Passava o seu dia a correr atrás das borboletas e a examinar as flores, cuidando delas com amor. Os pássaros vinham pousar em seus ombros e ela entretinha-se horas e horas a falar com eles. Sentia-se feliz e o mundo, a seus olhos, já não era triste e vazio.
Quando morreu, seus amigos bichos ficaram tristes, mas continuaram habitando o mundo.
Eis porque, ainda hoje, após séculos e séculos, os mosquitos adoram passear irreverentemente no rosto, braços e pernas das pessoas. Eles se lembram da velha! Porém, nós nada herdamos desta velha e não temos a mínima paciência. Daí eles se vingaram, tornando-se nocivos, como as formigas, pinicando qualquer uma...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Limoeiro


Cuidar de limoeiro é arte.

O limoeiro é turrão.
Vigora-se por pedregulhos;
Claudica-se pelo chão.
Se recebe muita água, torna-se pomposo;
E, de teimosia, retarda os frutos.
Se não recebe água, sufoca-se em cochonilhas.
E por desnutrição, também retarda os frutos.
Um limoeiro é fiel em seu compromisso de dar frutos.

O limoeiro é independente.
Gosta de crescer livremente, sem podas.
Só aceita corte dos galhos cruzados.
Tolera a poda de galhos indesejáveis.

Lidar com o limoeiro é como conviver com gente teimosa:
Ou você o deixa de lado ou enfrenta-o em toda a sua teimosia.

Se o deixar de lado, um dia dará frutos, no tempo dele.
Nunca dará frutos no tempo de expectativa dos outros.
O limoeiro é fiel em seu compromisso de dar frutos.

Se decidir enfrentá-lo, terá que fazer isso com competência.
Ele gosta de ceifa, para abrir-lhe as seivas:
O medo de morrer sem reproduzir-se o faz apressar-se em dar frutos.
Se a ceifa for muito forte, ele se machuca; magoa-se, retrai-se;
E, novamente, retarda os frutos.
Um limoeiro é sempre fiel em seu compromisso de dar frutos.

O limoeiro é forte.
Sobrevive em jardins desmazelados;
Vinga em quintais de pobres e miseráveis;
Suporta o zelo demasiado das madames;
Contudo, mantém-se fiel em seu compromisso de dar frutos.

O limoeiro é intrigante.
Espeta-nos com tenacidade;
Dá-nos sumo calmante.
Nasce de sementes jogadas ao acaso;
Vinga-se também por plantio planejado.

No meu quintal tem um limoeiro.
Não sei se nascido ao acaso;
Não sei se de plantio planejado.
Só sei que nos confundimos no viver:
Temos essência de perfumes e licores
Escondidos entre espinhos e sumo amargo.
Texto: Léssio Nunes.
Imagem: O Grande Limoeiro, de Fernando Campos.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

DANÇA DAS FORMIGAS

Observando as formigas na parede, sigo suas trilhas até o imaginário.
Dimensões que você bem sabe aonde,
Belezas de um caos ou de extrema organização social.

Talvez por estas variáveis andanças, eu possa coroar nosso enlace com uma dança.
Porque o tempo corrói a tudo estático
e não podemos nos deixar presos em algum pátio.

Nestas divagações de profunda ciência quântica, sou apenas um sonhador sobre sua forma física,
Seguindo as trilhas destas pequenas formigas, te coloro bela e infinita em várias telas.
O vermelho colore sua bochecha, o azul tinge o branco de sua sombra,
O amarelo transmite sua energia, o castanho brilha seus olhos durante os dias.

Pequenas formigas que a união trilha ensinam que amar nasce do pequeno,
Transforma-se de nascente em ribeirão,
torna-se rio que leva a imensidão do oceano.

Insetos na incansável idéia de produzir, cortar, carregar, induzir, defender, atacar, consertar, obedecer, reproduzir e distribuir.

São todas em uma,
o conjunto faz a mudança e o jogo faz a dança.


Texto: Marcelo Deoti e Silva...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O gorjeio da alma


A noite cai
Meus olhos serrados ao alto
Vejo o que os olhos
Não poderiam ver
À luz do dia

O silêncio
Os passos na calçada
A luz que perpassa
Por entre a janela

A triste rua
O corpo vazio
O olhar cego
E a voz temporã

Eu olho para o lado
E vejo o futuro
A alma pura e secreta
A luz que gorjeia
Na mais bela flor
Poesia: Bruno Grossi.
Imagem: Vagner Luiz.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

RECADO SOBRE O TEMPO

Aceitemos o tempo que passa,
A lágrima que escorre,
Para que não haja mais desencontros.
Para que não aconteça o abandono supremo
E não nos tornemos escravos de nós mesmos.

Deixemos que a ausência se certifique
que o que fascina e ilumina
É amor, e não descontentamento.

O tempo passa.
E, dentro de seus segundos,
perdemos horas.

E tanta coisa mais...

Perdemos até aquilo que ainda não tivemos.

Mas a ilusão permanece. Nossa doce ilusão.

E dos sonhos, do que remanesce, renasce o carinho,
que recria outros tantos encantos
e mil outros desejos quanto precisos.

Para entender do amor e seu tempo,
basta estender as mãos num gesto despojado
de quem sabe que carinho dado
nunca deve ser cobrado.

Poesia: Daniel Rubens Prado.
Imagem: Tear, por Yxia Olivares.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Depois da orgia vem a solidão

Na volta pra casa, cabelos emaranhados e pernas exauridas. Luxúria que desperta arrepios na pele e sorrisos em pernas exaustas de prazer. Homem mulher homem mulher mulher mulher homem mulher. O chão que vira cama, a parede que vira cama, o teto cama. E muito suor. Gritos gemidos silêncios. Bocas que se beijam, lábios que se mordem. Guilherme Catarina Marcela Giovanna Otávio e... os nomes nem importam mais, são todos um.

Na volta pra casa o sol chega a incomodar. Brilho fora de moda, fulgor que se perdeu na noite dos prazeres.

Em casa, nem sol nem cansaço me molestam mais. Só o vazio, deserto d’alma inebriada, embriagada de tantos corpos.

Em casa, uma certeza... depois da orgia vem a solidão.


Texto: Mayra Spinelli.
Imagem: Emil Schildt.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Mensagem

Sou uma flor silvestre, uma pequenina flor sem beleza, sem perfume, sem significação alguma para o mundo, porém, para Deus, sou algo mais que uma simples plantinha desprezada aqui em baixo! Eu era do Seu jardim, lá em cima, mas por razão só dele sabida, fui um dia atirada ao mundo onde deverei permanecer alguns anos.

Já passei por muitas mãos, umas que me amaram, outras que me desprezaram e outras que me aceitaram por caridade cristã, ou aceitam-me ainda.

Tenho uma missão, no fim da qual, conforme o meu merecimento, voltarei para o meu jardim, o Jardim de Deus. Tenho observado o mundo, e vejo muito egoísmo, muito orgulho, muito ódio, calúnias, incredulidade, invejas e decepções. Mas, vou seguindo avante, com uma lágrima em minhas pétalas, com um misto de dor e pena por essas criaturas. Oro por elas e distribuo carinho, uma palavra amiga, leal e afetuosa. A minha divisa é esta: dar o quanto possível, amar a todos como irmãos, perdoar sempre e receber o menos que puder.

Não adoro a existência, pois acho os meus dias longos demais e a vida interminável. Os meus caminhos são espinhosos, silenciosos, tenebrosos, mas tenciono lutar por vencer os obstáculos e chegar um dia sã e salva ao cimo do calvário com minha cruz. Aí, creio, o mundo me sorrirá e eu me sentirei feliz na paz de Deus, contente por ter dado conta do recado.

Texto: Maria Francisca da Silva.
Imagem: Autor desconhecido.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ainda penso

Lá fora vai a Lua, vestida belamente como uma santa. Incide pálida. Já faz hora que está ali. Não titubeia. Estou sentada, hermética, na minha pequena bacia, outrora tacho de fazer marmelada. Tento enxergar as letras grandes e taciturnas do romance. Luto com uma lasca de unha no canto do dedão. Adoro cutucar pés de um modo geral, não tenho preconceitos renitentes.

Queria jantar agora a sopa de cenoura amarela, de quando era só uma “petit” - três pratões – na cozinha da minha outra vó. Tento achar um credo qualquer prá rezar baixinho. Ainda está lá lutando no clarão de luar a pequena estrela. De longe me fita. Está assim há meses, procurando um olhar. Agora é que me acha. Rebelde. Com vontades de fazer fogueira de lenha nova, só prá ver no fogo estourar – chiar – chiado de verde.

Vai amanhecer um dia, e há de me achar assim, prá me pedir prá acordar o Sol com balanços largos de braço, que nem dos homens que guiam os aviões – aqueles bichos prateados enormes que fazem medo na minha irmã.

Tem tempos que não penso neles. Os que dividiram ou compartilharam a minha casa primeira – lá longe no escuro, onde era a barriga de minha mãe.

Chamo “tesa” o Inverno, prá embolar meus pés debaixo da camisola comprida e branca que sempre sonhei no meu filme. E ficar de balanço prá frente e prá trás até me jogarem um xale – Contra regra.

Puxo meus cabelos pelos dedos, enroscam-se. Estou ali prá lembrar alguém. Mas ainda estou jovem. Minhas pernas são firmes, meu olhar nem tanto. A Lua ou a Santa ainda me observa. Estou prá gata ou loba? Mas não vou uivar. Ainda.

Trago um pouco a bacia prá frente – me ajeito na almofada que está equilibrando o Atlas pelo Mundo – ela range “raspenta” – e eu rio, um rio sequinho de cascalhinhos rosáceos.

Penso como deve ser bom jogar palavras ao vento – ver como flutuam, voejam ou se pesadas, tombam. Fico imaginando se ponho uma poesia no meio do caminho em cima ou embaixo daquela pesada palavra e pedra. Sou de tudo. Mas amo blues. Música que pede cigarro, uma bebida vertente e um cheiro de amor do passado. “Cheek to cheek”. A bacia agora ri, seu riso de metal, me assombra. Brrrrrrr....

Será mesmo que as margaridas vêm? A minha prima se foi com elas num janeiro doentio. Meus avôs bem antes, todos – nem sobrou nenhum.

O livro estava lá sentado, queria começar. Mas eu não tinha pressa. Estava ali, catando coisas na minha cabeça. Piolhos de idéia. Prá botar numa página e sonhar de estourar no dedão as mais pestilentas. Sonho, de menina, de ser famosa com letras, filhas ou ideais.

Mas a estrela que agora me cativa não me liberta. Procura em mim meu ocaso adolescente. Parece que nunca vai achar. Acredito mesmo nas guerras sem tinta? Brancas, tão brancas como essa luz de lua e os ossos de Cervantes. A passarela negra agora já não permite que a estrela me veja inteira. Viro e pego um cigarro escondido. Estão como anjos os cravos argentinos na minha jardineira. Mudos e solícitos. Já vem a madrugada. Não sei o que vem dessa aí. Sorrio para ela como os colibris. Que riem demasiado cínicos, sem dentes. Contra-regra – Uma taça de vinho – vermelho e borbulhante. Sem gelo. Apenas o inverno me basta. Deito-me até os cabelos enroscarem meus pés. O livro se levanta, sai. Dou de ombros. Ainda penso que vai amanhecer um dia.



Texto: Ana Guerra.
Imagem: Bill Henson.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Garoinha

Chove melro no quintal de casa. Caem da árvore feito fruta madurada. Azuis intensos repousam em suas asas fartas frisadas fissurinhas de desejo de semente. Pousam atabalhoados no chão de pedra cinzenta e são muitos vários largas porções de asinhas bicos penas cantos e falas num passarinhês próprio. O amarelo do sol rebate no serzinho e os alimenta de céu nuvem vento e iluminidades. Ficam eles na função de empoleirar nos galhos da árvore virar a cabecinha passarinhar num abre e fecha de bocas pernas braços alados para mais uma vez choverem no quintal. Às vezes um e outro alagam escorrem grama verde afora chegam mansinhos à porta da casa. A menininha pergunta se tem permissão para chegar. ‘Posso espantar os passarinhos?’. Assim que o avô dá a afirmativa ela sai em disparada. Com as perninhas curtas morenas reboladas vai bem devagarinho sabida que é: para espantar passarinho que chove abundante há de ter a mão certa cuidado desexato para não desbancar em tempestade. A menininha ri gargalha e remexe as mãozinhas satisfeita com a façanha de fazer chover ao contrário os melros do quintal. Isso feito volta respingada para o abraço do avô e espera que os melros subam novamente no galho para desinverter sua marolinha traquina.
Texto: Val Prochnow.
Imagem: Claire Wright.

domingo, 4 de julho de 2010

Mais este retorno


Todo retorno dura mais que o esperado.
Esse retorno, que são tantas esperas,
Arrasta-se pela carne tensa da cidade,
E agoniza entre as quimeras de pedra.

Um retorno custa mais que o esquecimento.
O tempo perdido se contabiliza em nuvens,
As cores & amores sonhados, também em nuvens,
Não chovem jamais e se dissolvem no pó.

Todo retorno deve ser vigoroso, russo e bruto.
Um retorno como esse é no mínimo um touro,
Um sopro súbito sobre as vastas indecisões,
Sobre a dúvida que mina a criação.
Poesia: João Tonucci.
Imagem: Autor procurado, mas ainda desconhecido.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O mito de Helena


“Pra mim, seus olhos serão sempre um mistério”. Este é o último verso de um poema que tentei fazer e, agora, quinze anos depois, releio na última página de um caderno antigo de escola. Um poema incompleto, sem título ou coerência. O que me chama a atenção nessa “charada em verso” são as inúmeras menções aos olhos de uma mulher. Uma mulher de pele clara e cabelos dourados. Na época, uma garota que despertou em mim, durante um bom tempo, uma atração calma e enigmática. E não foi preciso recorrer à memória para saber de quem se tratava. Seu nome estava grafado diversas vezes nas três páginas anteriores, como um mantra.

Helena.

Aluna exemplar, carregava em si uma atmosfera meiga e erudita - bem diferente de mim, sempre metido e confusões e fracassos escolares. Ela estudava piano, eu tentava entender as letras das músicas de Jim Morrison escutando The Doors. Recordo-me de quando, no pátio do colégio, observava-a de longe. Admirava o seu jeito ao mesmo tempo lépido e contido; seu rosto de traços marcados e, ao mesmo tempo, angelical. Tudo em Helena era a síntese de contrários. Perfeitos. No entanto, ainda hoje não consigo dizer que cor tem seus olhos. Quantos matizes de azul e verde já me vieram à cabeça, ao tentar reproduzir seu retrato em minha memória?

Pessimista sou até hoje, mas na época eu era igualmente tímido. Não me atreveria sequer a perguntar as horas para ela nos corredores. Sabia seu nome porque o colégio não era assim tão grande. Todos se conheciam de alguma forma. Mas certa vez, olhei direto nos olhos de Helena e fiquei ainda mais inquieto em relação à cor que brotava de suas íris.

Devíamos ter uns quinze anos - debutávamos nas paixões, ansiávamos por viver. Num desses bailes da época, estava ela – elegante como uma princesa. Seus olhos estavam esverdeados e calmos. Fiquei perplexo, pois dias atrás os mesmos olhos estavam azuis como uma pedra turquesa. Após algumas taças de vinho branco, deparei-me com ela. Não me lembro bem o que eu disse. Apenas tentava encarar a dimensão mais profunda de seus olhos.

Algum tempo depois, um beijo. E foi um beijo tão estranho, que era como se um católico beijasse a imagem da santa mais devota, desejando ao mesmo tempo despi-la. Calada, Helena ficou poucos minutos com o corpo próximo ao meu, relutante em se entregar. Seu olhar se parecia realmente ao de uma santa; com um verde cada vez mais claro, manifestava uma espécie de compaixão, de acolhimento.

Passado o Baile de Debutante, nossa relação se resumiu a trocas de olhares ternos e breves comprimentos, sinceros. No pouco tempo que se passou até deixarmos de estudar no mesmo colégio, eu já aceitava o fato de que Helena não passava de um mito criado por mim; ou seja, era a maneira que eu dispunha de chegar próximo a uma idéia de amor, sentimento ainda recente. Tanto foi que não abandonei o mito - observá-la era um exercício de conhecimento do amor que brotava em mim.

Dez anos depois, reencontrei Helena em um festival de bandas num galpão do centro da cidade. Seu rosto continua o mesmo: a mesma boca carnuda, a tez branca, o mistério no olhar. Cumprimentamo-nos e, para minha surpresa, Helena recordou do Baile de Debutante. Disse que se sentiu mal por ter tratado a situação com frieza, que suas amigas zombaram dela por ter se relacionado com alguém aparentemente mais jovem. Seus olhos voltavam a se tornar azuis turquesa, imponentes e confiantes. Não hesitei nem por um segundo:

- Vamos reparar esse erro histórico?

Ela, enternecida, respondeu sorrindo:
- Você não existe, que lindo.

Mas a vida já nos tinha levado por caminhos opostos, ela já era comprometida. E a noite acabou assim.

Tenho apenas boas lembranças de Helena. Seu carinho e sinceridade me mostraram que o poder da imaginação nos prega peças, nos ilude, mas nos faz conhecer os limites - às vezes inexistentes - entre mito e realidade, quando se trata de amar. Hoje, aos trinta, rimos como crianças das coisas passadas. A amizade entre nós tem um tom de nostalgia. Trocamos confidências e nos deleitamos em trocar olhares ternos.

Helena continua bela como sempre. Mas, pra mim, seus olhos serão sempre um mistério.



segunda-feira, 14 de junho de 2010

Sonhos

Acontece que depois dos sonhos nunca mais fui a mesma. Uma semana. Uma semana sonhando com enormes fios de cabelo brotando. Nasciam na língua cresciam garganta adentro boca afora e era sempre a mesma coisa o mesmo sonho em seqüência de atos repetitivos.

Gritava.

E seguia uns dois três passos entrava num banheiro instalado no centro da sala daquele lugar imundo que eu sabia em sonho ser minha casa. No ralo do box via as mechas todas caírem pelo buraco sujo feio fedido. Arrancava-os com uma lamina de barbear amarelada enferrujada gosmenta - restos de sabonete barato entranhado na fresta cortante que mal dava conta de fazer o serviço: sempre a mesma lamina sempre o mesmo banheiro sempre o mesmo cheiro podre. E quando terminava de passar a palma da mão pela língua pra senti-la lisa – e eu tinha a sensação de que passava a um só tempo mão e língua em uma axila suada e decadente – é que saía pra dar de cara com a minha cara diante dos restos do espelho que ainda teimavam em se agarrar à moldura dourada retorcida em rococós e flores desbotadas.

Gritava por minha mãe. E por todas as mulheres da família algumas de fato e outras que nunca havia visto e eram sempre as mesmas mulheres as reais e as imaginárias reunidas em torno do cubículo no centro da sala. Elas vinham cheias de perguntas e braços e pernas embolados numa disputa para entregar-me uma toalha e era sempre uma mulher desconhecida que me estendia um pano sujo e que dizia em voz alta e cheia de gravidades acabou por hoje pode acordar agora.
E eu seguia corredor afora cabeça baixa pés descalços até lugar nenhum e era sempre esse o exato momento que acordava suando garganta dolorida como se tivesse gritado em vão. Ou como se alguma coisa estivesse agarrada à goela prendendo ar respiração saliva voz.

Acordada seguia ao banheiro cheiroso limpo de espelho generoso e sem reparos. Casa lar – meus, reais. Abria a boca lavava a cara preparava um chá com torradas e voltava para o quarto arrastando os pés insones por algumas horas e dormia somente quando o sol ou alguma luminosidade entrava pela fresta da cortina da janela.

Até o último dia a última noite o último sonho em que tudo parecia igual os fios a língua o banheiro o fedor o ralo o grito as mulheres a mulher desconhecida pano sujo.

Minha avó chegou agigantada e luminosa um tanto delicada pra quem a conheceu em vida: afastou uma a uma as mulheres do banheiro, gentilmente.

Depois sorriu farto me estendeu toalha macia roxa abundante em seus floreados na barra.
Acabou. Pode acordar agora.

Era um domingo e eu não precisei manter os olhos acesos para saber que o dia prometia luz e sol fartos.


Texto: Val Prochnow.
Imagem: Sofii Velislava.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

MINHA CONFISSÃO


Não pude trazer ternuras
para enfeitar os teus olhos,
nem bondade, nem carinho
para a tua mocidade.
As minhas pobres palavras
são modeladas de acordo
com a vida em que me criei.
Por isso não sei dizer
as palavras (talvez inúteis!)
pra fazer teu coração
bater, depressa, de amor
e acender nos teus olhos
o brilho da alegria.
Sou bruto. Sei machucar-te.
Dá-me tuas mãos! Vou quebrá-las!
Quero morder os teus lábios,
apertar com força teus seios,
dizer-te bem alto: quero!
E depois, quando chorares,
direi, do canto do quarto,
vendo teu corpo ferido:
- teu choro não tem razão...
E de encontro à parede
quebrar-te-ei os ossos
até ver o corpo
desarticular-se!
Sou filho de gente bruta!
Minha ternura não serve!...
Confissão: Clemente Luz.
Imagem: Arquivo Correio Brasiliense.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Vaso quebrado


Uma vez eu estava num bar, na companhia de dois músicos geniais, sessentões. Eles conversavam com um olhar de admiração mútua. De repente, constataram e concordaram entre si: “A vida é um sonho, quando a gente abre os olhos, ela já passou”. Nunca me esqueço dessa cena e dessas palavras. Naquele momento, era uma nostalgia que me parecia distante. Eu, diante deles, com mais metade da idade, não tinha me dado conta da verdade que ali se apresentou delicadamente.

Algum tempo depois, não muito, tantos foram os acontecimentos. Mudanças de casa, no trabalho. Novas amizades. Chegando filhos de amigos, velhos companheiros indo embora. Alguns casamentos, alguns rompimentos. Lágrimas de tristeza e de alegria. A vida seguindo o seu ciclo de altos e baixos. Esse ritmo sempre guiado pela minha essência; uma pessoa extremamente apaixonada. Intensa. Talvez por isso tantas lágrimas, tantas mudanças. Uma dose a mais de drama aqui, uma euforia exagerada ali.

A vida corre mesmo. A minha então… A essência fica, mas o vento que bate na cara, nas descidas bruscas dos baixos passa transformando. Algumas coisas mudam. Eu queria dizer que somos lapidados. Mas isso remete a um pedaço bruto que vai se tornando uma obra prima maravilhosa. Nem sempre é assim. Às vezes, coisas bonitas são perdidas. Como aquele vestido lindo que comprei e que ficou deslumbrante, mas que não foi usado no dia e, agora, já não serve mais. Pode até ser que sirva de novo um dia. Mas não vai mais causar aquela sensação de parecer ter sido feito para mim, para aquele dia. A gente vai mudando sim. E o que um dia não parecia ter grandes efeitos, de repente fica. O que machucava e sarava já não sara do mesmo jeito. Sabe quando a gente tira casquinha do machucado pra ficar livre da marca rápido, mas só o que faz é sangrar de novo e aumentar a marquinha? Feito um vaso quando quebra e a gente tenta colar. Pode até ficar inteiro. Mas sempre vai ser um vaso quebrado.

O tempo implacável, nessa roda viva e gigante, deixa de herança lembranças. Às boas, cabe o alento nas horas mais difíceis, quando as ruins insistem em criar uma carapaça em cima daquela chama do eu, essencialmente apaixonado e entregue. E quando o vestido não servir mais, ou quando aparecerem as linhas dos cacos colados? Cabe também às boas lembranças ajudar a mostrar que isso serve apenas para que haja menos tristeza em qualquer próximo acontecimento. Dos tantos que ainda serão. Até que, numa mesa de bar com um bom amigo como companhia, eu possa com muita saudade abrir os olhos, e constatar que a vida é mesmo um sonho.

Um belo de um sonho.
Texto: Ana Flávia Rodrigues.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

SEVILLANA

A guitarra chora suas pernas,
O tablado sorri quando apanha de seus pés,
O mundo sofre seu lamento
E em sua direção o horizonte acompanha em silêncio
Enquanto uma multidão de anjos rege seus primeiros passos;
De repente,
suas mãos viram pássaros, sua sombra dribla a esperança,
seu corpo balança
enquanto a liberdade beija seus quadris;
Amada e idolatrada
Sevilha
próxima parada!


Poesia: Daniel Rubens Prado.
Poema dedicado à bailaora Eriklinha.
Imagem: Autor desconhecido.

sexta-feira, 26 de março de 2010

DOCE DIABO


Amar;
Este verbo intransitivo?
Que nada!

Amar,
Este verbo intransigente,
Dominador,
Dominado.

Amar é entregar a alma,
Ao diabo.
Ou, quem sabe?
Tomar a alma
Do diabo.

Doce diabo!


Poesia: Carlos Niquini.
Imagem: Hugo Logg.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Cartinha pra você


Querida Anita,

Hoje é dia 10 de março e estou em uma cidadezinha do interior, chamada Jeceaba. O trabalho do papai tem dessas coisas: tem dia que preciso viajar. Vou, trabalho e volto. Resolvi escrever esta carta para você, pois uma coisa estranha me aconteceu: você ainda não nasceu e, só por estar longe da barriga que lhe acolhe, estou morrendo de saudades.

É engraçado, sabe, minha filha? Eu ainda não te vi ao vivo. Só por umas imagens muito erráticas e nebulosas de um aparelho que se chama ultrassom. Ele consegue, por cima da pele da barriga da mamãe, filmar você lá dentro. Mas não dá para ver muita coisa. Só uns vultos que desenham sua silhueta.

Eu ainda não senti seu cheiro. Não sei a cor do seu cabelo. Não sei se você é tímida, se tem uma pinta, se faz charminho, ou se joga duro. Ainda, meu amor, nunca te encarei nos olhos. Mas tenho a certeza de que, quando este momento chegar, será o mais belo da minha vida.

Eu ainda não te ensinei nada. Nunca falei para você deixar de fazer isso ou aquilo, tomar o caminho tal, usar a cor assim, comer assado, falar mais alto ou mais baixo, conforme a ocasião. Nunca escutei, meu amor, a sua voz. Nem o seu choro. E mesmo assim bateu uma saudade enorme de você, aqui, dentro de mim, no coração do papai. Que coisa maluca, não é mesmo?

Mas acho que imagino por que: você já mora comigo. Na minha casa, meu amor, moramos felizes, eu, você e a mamãe. Eu, minha Anita querida, já converso com você, diariamente. Já cantei para você, já brinquei com você. Já acordei com seus chutes, já pensei que eles me respondiam. Já sorri e chorei por sua causa. Meu amor, eu já fiz o seu quarto, já pensei em sua rotina ao nosso lado, em nossa casa. Você já tem várias roupinhas, sabia? Já tem até música!

Anita, já tem tempo que te amo. E que penso, dia após dia, em fazer de você uma pessoa feliz. Quanta saudade me atormenta agora!

Do seu papi,

Bruno.
Dois meses antes de você nascer.


Texto: Bruno Sales.
Imagem: Ultrassom de Anita.

terça-feira, 9 de março de 2010


Meu nome é Maria. Aprendi desde cedo a trabalhar dissimulações: "muito prazer, que encanto é teu filho, que por do sol agradável". Sorriso gentil, aberto. Não os olhos – estes dois tristes e fundos – os olhos mais tristes que já pousei os meus – identificou certa vez um amigo, dos poucos que tive e que nem tenho mais.

Meu nome é Maria. Gostava mesmo é que fosse Vazio; ou Transparente. Ou Nada, ou nem sei mais. Talvez antes do vazio antes do nada antes da coisa se tornar transparente. Antes da coisa. Tempos atrás exercitei todo o rancor aquele mais profundo. E passei dias sem falar com o mundo, sem emitir um som que formasse algum sentido, sem vocalizar, sem ocupar o ar. Bom mesmo foi não ter que ouvir a própria voz. Achava que o bom seria que os outros se esquecessem de mim mas sou tão insignificante que nem deste gosto provei – não se deram conta de minha ausência. Ninguém, a não ser eu, Maria, sentiu minha falta. Botei-me forçosamente de cama – é virose, ensaiava caso alguém perguntasse. Esqueci-me de mim, larguei-me no meio e por cima da colcha alegre e colorida como eu não sou pra desfazer parte de tudo à minha volta.

Meu nome é Maria e por esses tempos foi Silêncio. Ou Escuro. Ando para todos os lados sem um destino já que só traçam destinos aqueles que por dentro carregam alguma espécie de esperança ou previsão. Qualquer esperança qualquer previsão. Meu nome é Maria e não nasci provida de sentimentos bons – só me acompanham os pesados e gordos que me fazem doer pernas e ombros, aqueles que arqueiam minha espinha e deformam membros e ossos. E foi sempre assim desde o momento que notei que era preciso mais do que tato olfato audição visão paladar pra se viver. Era preciso a memória dos sentidos para tudo se fazer, se formar pra dar, senão sentido, alguma expectativa de sentimento.

Meu nome é Maria e não tenho memória de infância de moça antes de tornar-me mulher nem de mulher antes de sentir-me velha. Tenho só um infinito de espaços dentro de algum lugar que não tem nome. Meu nome é Maria e podia ser Oco. E eu podia abandonar o medo e dissolver.
Texto: Val Prochnow.
Imagem: Emiliano Di Cavalcanti.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Haiti


Prata... é como o vejo
O claro brilho inocente
De toda uma lágrima
Branco como neve
De encontro com o mais
Forte contraste da pureza
O negro luto se encaixa
Por toda solidão
De um triste mundo
A esperança turva
De cores que nem sei o nome
Se desgasta
E o vermelho
Cobre o mar de pedras
Por sobre os corpos
Texto e imagem: Bruno Grossi.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O CIÚME

O ciúme é a parte externa
De uma doença interna
Que nos faz refém
Uma visão doente
Da posse aparente
De quem se quer bem
Ciúme, teimosia da mente,
É a memória insistente
Do que já não se tem
Insegurança latente,
E confiança ausente
Que nada mantém
É normalmente um medo
De ser um brinquedo
Nas mãos de alguém
Talvez porque a fidelidade
É uma fragilidade
Aos olhos que a vêem
Ciúmes de outras pessoas,
Mesmo em épocas boas
Vão e vem...
O ciúme machuca e magoa,
E às vezes à toa,
Ocorre também
Então por que ter ciúme
Se o mero costume
É de onde ele vem?
Pois ciúmes reduzem abraços,
Tornam beijos escassos,
E não fazem bem
Enfim, vá se embora ciúme!
Que o amor assume
Os riscos que tem.
Texto: Renata Vilas Boas.
Imagem: Mirabilia.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Transformação


Você me salvou.

Balançou a cabeça num sim de delicadeza e ternura. Ainda lúcida, de olhos abertos e molhados, no leito de sua morte, disse àquela enfermeira de roupa pálida que eu era sim, um bom filho. De fato, o melhor que você já teve. E também o pior - filho único que sou.

Logo depois, só nós dois, chorei quando você me pediu guaraná e eu não pude dar. Naquela tarde não dei conta. Nem podia.

Mais tarde, quando você já ia, molhei seus lábios com o refrigerante. Deixei-a partir. Mas não antes de dar a você todo o meu adeus. De dizer, sem saber se você me ouvia, da precoce saudade que já me invadia.

Nessa hora grave, com a vista embaçada num pranto sem consolo, notei que você também chorava, mesmo no mais profundo sono.

Sequei suas lágrimas pela última vez e fui-me embora, ainda sem saber que só o amor torna as pessoas eternas.

Texto: Daniel Rubens Prado.
Imagem: Glass Tears, por Marlene Dumas.