quinta-feira, 22 de dezembro de 2011




Summer is blue
Like the heaven's sky
A million clouds drifting above the forest
And the ocean waves greeting the sand

Summer is gold
Like a clean star
The pipi are boiling on the oven
And moths are fluttering around the camper van

Text: Teo Scott de Rezende McGuinness.
Image: Fel Magalhães.




O verão é azul
Como o céu do céu
Milhares de nuvens penteando a floresta
E as ondas do mar sorrindo pra areia

O verão é dourado
Como estrela polida
Pequenos mariscos pulando no fogo
Mariposas voando em volta do Trailer


Tradução: Maurício Meirelles.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O silêncio


Silêncio...
Eis que sinto a pulsação do corpo
Meu peito pulsa como um tiro de melancolia
Meus olhos se fecham
Sinto meus pés se distanciando do chão
Meu corpo se esvai
Por entre as cores dos céus
E minha alma flutua
Perpassando a imensidão


Poesia: Bruno Grossi.
Imagem: Banksy.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Maré

Mais uma vez
o coração flechado
e as canções de amor ordinárias
que soam odes personalizadas

Palavras que não logram
a expressão das juras
excessivamente ditas
ou excessivamente mudas

Perna dobrada para trás ao falar ao telefone
iniciais riscadas na parede com uma chave
fantasias diurnas de encontros etéreos
fantasias noturnas de choques corpóreos
e suspiros e vertigens e milongas –
o comportamento costumeiro
do amor quando desponta

Ó pobres corpos
ridicularizados por hormônios!
Pobres de vocês e de nós
que pensamos ser budas
peixes que somos
controlados pelos eixos
do ciclo da lua

Maré, infalível
metáfora do amor.




Poesia: Luisa Godoy.
Imagem: DDiArte.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Estrelas da Noite

a Daniel Rubens Prado (Buda)
passavam sempre ali as putas
piranhas vadias maquiadas
pisavam com passos leves
purpurinas meninas mulheres

passavam ali e atormentavam
os senhores as senhoras
pudicos em seus lares e dogmas
passavam sim e eram belas e fogosas

a noite descia e trazia consigo
as estrelas- vênus das ruas
brilhavam e iluminavam
a vida e os desejos dos homens

não se sabia se eram fêmeas machos
travestidos andrógenos bichos bichas
não se sabia se sonhavam se amavam
se gozavam se seduziam se machucavam

eram estranhos seres felizes
donos da madrugada dos mundanos
dos menestréis mendigos magistrados
dos miseráveis dos mentecaptos dos mortos-vivos

na sombra da noite eram morcegos iluminados
à procura de sangue
dos inocentes ou dos culpados
vampiros imortais em seus desvãos de sedução

quando a noite se ia
e não se via mais a lua
as estrelas das noites
senhoras das ruas e dos bares
maldição de todos os lares
desapareciam nos bueiros da cidade




Poesia: Adriana Godoy.Imagem: Rafael Godoy.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Madrugada semínima



Três e quatro, a andar
ao compasso do passo
em esquinas de ecos
curvas de ligaduras.

O deserto luar
irrompe azul asfalto
padece seu silêncio
ao soar do passado.

Ah, tu noite andante
em versos improváveis
de amores desvividos
guia-me por tuas escalas.

Desnuda teu mistério
Pois teu torpor cifra
estrelas em cadência
em céus de colcheias.



Poesia: Agostinho Terceiro.
Imagem: Lee Steffen.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O grito da múmia


Eu sou aquela que escreve para ti, vivente do futuro. Aquela que, por uma bobagem que escrevi ou uma rima dedilhada, te fiz sonhar comigo. Andastes os cantões do mundo para me encontrar. E, agora, que me tens tombada, ficas aí, de quatro, a me contemplar. Comes poeira; acaricias vermículos, e não te cansas? Não te cansas de bulir pecinhas duras de fosfatos e chamá-las de história?
Não deixarei que encontres um mísero tecidozinho meu. Tenho medo que me exponhas àqueles que não me vêem; não me compreendem, tampouco conhecem a cadência do meu pensar. Desejas levar-me a velejar? Estou aqui, embaixo do teu pé direito. Queres me apresentar os continentes que, por parcimônia, jamais conheci? Estou aqui, ao lado do teu cotovelo. Mas, se queres apenas ajuizar de mim, escondo-me nas reviravoltas das ravinas. Nunca irás me encontrar.
Se me tens tanta adoração, deixa-me aqui. Se quiseres, visita-me! Eu te receberei. Por precaução, pois tu me calejaste de medo, grita seu nome antes de adentrar na minha tumba. Caso contrário, acreditando seres outro engenho a me apoquentar, lançar-te-ei sopros ígneos para queimar-te a face, sem querer...
Interes-te de mim, ao invés de despojar-me. Não tenhas medo de me encontrar num mau momento... Examina-me! Mas, não me roubes deste chão. Levei séculos para encontrá-lo. Não me leves a morar nos museus envidraçados; em vida, nunca toquei os pés no templo das Musas.
Ama-me assim – livre, pó – em comunhão com a terra.
Deixar-te-ei os meus escritos, os meus rascunhos, a minha arte. Pensas que é pouco? São fragmentos do sangue, do ritmo, do sopro que me manteve erguida... ah... há quase um século! Se pensas que é pouco o que te dou, contar-te-ei um segredo: as prosas com as quais te deleitas, chorei-as. As poesias que te enternecem, rasgaram-me a carne. E os cantos inacabados que guardas como um tesouro?! Nesses, harmonizei todas as contendas.
Quando sangrava de desilusão, escrevia em vermelho. Quando acreditava nas promessas de futuro, escrevia em verde. Sabes por que estou a escrever-te de azul? Libertei a minha alma desse corpo; esse que insistes, novamente, em aprisionar.

A herança que deixei, diz mais de mim do que esses velhos destroços. Bravia, escrevia com forte caligrafia. Plena, comia biscoitos em meio ao pensar. Agora, se encontrardes uma mancha de café nos originais que guardas com tanto fervor... Saibas que estava, justamente, a escrever-te.


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Noturna


Para D.L.



Eu te amo por tua imensa liberdade
de viver sempre sob a luz da lua
perdida caminhando pelas esquinas
de uma cidade diversa
indecisa.

Eu te amo inteira e sem fim
e mesmo interrompida
por excesso acabada
ainda assim, te amo marginal bem-amada.

Eu amo quando te vejo
no encontro perfeito das noites
quando abres a porta e me beija.

No entanto, eu te amo ainda mais
e certo de meu amor por ti,
quando dizes adeus e sorri.



Poesia: Daniel Rubens Prado.
Imagem: Andra Ponomarenco.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Família brasileira

Era mais uma daquelas noites quentes nessa cidade perdida no meio do centro oeste. Eu vinha de algum canto escuro e enfumaçado da cidade e rumava para casa, ébrio como sempre. Áureos tempos em que não era necessário se preocupar em dirigir nesse estado.
Nessas noites que quase emendavam com o dia e nada de mais interessante havia acontecido nas árduas buscas por qualquer resquício de emoção diferente, eu costumava voltar por um caminho onde as prostitutas ficavam a espera de clientes. Sabia que sempre sobravam umas poucas drogadas procurando carona para qualquer lugar em troca de uma trepada. Ainda não existiam os desgraçados e baratos moto-táxis, que estragaram esse glorioso e degradante bálsamo que me acalmava e me permitia dormir.
Óbvio que a esta hora e nesta situação, somente sobravam as mulheres mais deterioradas e desesperadas. Mas nunca fui de escolher muito. Nem sempre era assim, algumas vezes uma agradável surpresa saia do fundo daquelas empesteadas vielas escuras.
Passei devagar pelas ruas, com o fim da noite, elas iam sendo sugadas pelas sombras e se misturavam cada vez mais à paisagem de concreto e ferro que as cercavam. Se não prestasse muita atenção não conseguia vê-las. Em uma esquina vi um vulto que me chamou a atenção. Era uma garota muito bonita e bem vestida. Fiz minha proposta descaradamente, sabia que tanto elas quanto eu odiávamos rodeios hipócritas e que só nos fazem perder tempo. Entrou no carro e conversamos algumas trivialidades. Fiquei sabendo que havia trabalhado a noite inteira e, como praticamente todas as meninas daquela região, era viciada em zuca, uma droga muito forte que vem do resto da cocaína após a purificação, algo similar ao crack. Convidei-a para ir a minha casa ou teríamos que trepar no carro mesmo, pois não possuía dinheiro para ir ao motel, nem mesmo aos mais vagabundos que ali abundavam. Como ela não tinha pressa para voltar para, seja lá qual for sua origem, fomos. Trepamos, tomamos algumas cervejas, conversamos, trepamos, conversamos e ela acabou dormindo por ali mesmo. De manhã acordei-a para levá-la embora. Precisava trabalhar e de jeito nenhum a deixaria sozinha por ali. Um filho da puta reconhece outro e, mais de uma vez, as pessoas que considerei mais inocentes, me ferraram com gosto. Disse que não precisava levá-la, que pegaria um ônibus por ali mesmo. Não insisti.
Naquele mesmo dia, enquanto almoçava no meu restaurante de costume, assistia ao noticiário sem prestar muita atenção. Uma mulher aos prantos contava a história de sua filha desaparecida há alguns meses e implorava por notícias, já que a polícia não estava dando a mínima. Vi que carregava uma foto que navegava fora das bordas do aparelho, pois mexia muito com as mãos enquanto falava. Quando aproximaram a foto da garota pude reconhecê-la apesar de estar um pouco mais nova e sem o sorriso sacana que não saiu do seu rosto o tempo inteiro em que esteve comigo. O número para contato apareceu abaixo da foto. Olhei para o telefone do balcão em um rompante de compaixão, mas logo desisti da idéia. Voltei ao meu filé com fritas pensando: "que merda que está virando a família brasileira".



Texto: Igor Kolling Maciel.
Imagem: Reflexion.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A primaVera

Vem de tempos em tempos
como se tirasse férias
por onde passa deixa tudo mais belo

ah, prima Vera, usa uma calça
que arreganha o botão
e que faz a alegria da galera!






Poesia: Leo Faria.
Imagem:
José de Almeida e Maria Flores.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Quase Primavera





E você me traz
Ipês amarelos
Céu azul
Imensidão
Brisa fresca
Quase flores
Ainda secas

Sejamos generosos
Chega logo primavera









Poesia: Patrícia Tavares.
Imagem: Mariah.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Escuro



Na poesia há tristeza
Ela amarga
Ela fere

Uma febre
Vertiginosa
O consome

Teu corpo sai
Das entranhas das palavras
Uma poesia feita de dor

Imóvel, estática
Como o labirinto
Dos incompreendidos

Sem dizer o seu nome
Sem fugir dos seus pensamentos
O abismo o aguarda
Desumanizando a solidão

O escuro o trai
Como uma pedra
No deserto melancólico
De seus versos


Poesia e imagem: Bruno Grossi.

sábado, 10 de setembro de 2011

Ramadã

O sol fustiga as ruas estreitas, quando tomo o ônibus. Pela janela de trás, vejo a cúpula dourada da mesquita flutuando sobre Haram Esh-Sharif. Recordo a ascensão do profeta e me despeço.

Dentro, pouca gente. Na maioria, árabes fodidos, que vivem do lado oriental. Como eu. Escolho o assento junto ao velho, para não chamar atenção.

No distrito judeu nos param. Quando o soldado entra, sinto meu coração disparar sob a túnica, e acho que vou explodir ali mesmo. Baixo os olhos, em prece, e vejo as botas se aproximando.

A ponta do fuzil toca minha cabeça. Documentos, ordena. No bolso, meus dedos roçam o detonador. Ainda não. Controlando os movimentos, estendo o passe. Tire os óculos. E com a coronha levanta meu queixo.

Sustento o olhar, sorrindo de leve. Meus olhos traçam uma linha entre seu rosto e o chão. Arqueio ligeiramente o corpo e uno as mãos. Humildade. Gostam disso. Ele joga os papéis no meu colo e aborda outro árabe.

No ponto, diante da sinagoga, um judeu gordo sobe. Confere o troco da passagem, duas vezes, e enxuga o rosto. Senta de frente para mim, escondendo seu desprezo atrás do jornal: ATAQUE AÉREO MATA 15 CIVIS EM HEBRON; onde nasci. Sente-se melhor agora? Mesmo com tanto explosivo a um metro do seu rabo?

O ônibus segue pelo bairro cristão. No mercado, muita gente entra. Quase seis horas. Sinto um arrepio quando a puta encosta em mim. Profanação. Volúpia. As tatuagens, em breve, serão chagas de purificação.

Deixamos a cidade antiga pelo portão de Jaffa. Agora o ônibus corre pela avenida, em direção à estação central. Livre dos muros, a víbora arremete sobre a presa.

Levanto, cedendo lugar para a mulher com a criança. Um sorriso, e a mãozinha estende a maçã. Agradeço, em hebraico, e digo a ele para jejuar. É o Ramadã. A mãe olha com espanto e muda o garoto de lado. Meu pequeno Mohammad teria essa idade.

O motorista diminui a velocidade. Advirto a mulher de que é a última parada antes da estação. E com os olhos, suplico que desçam. Ela me ignora.

A cidade exala o calor do dia. No oriente, a adaga do crescente surge, acendendo as primeiras luzes. No reflexo da janela, vejo meu filho. Sorrindo. Para mim.



Texto: Maurício Meirelles.
Imagem: Argus Caruso.
Tratamento: Patrícia Tavares.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

NOTURNO PARA SANTA TEREZA

A noite avança prenhe de esperanças,
Interrompe o reinado das cadernetas,
Incita um motim de ébrios em cada esquina.
Revolvendo as celestes rugas suspensas,
A noite monta seu camarim nas calçadas –
Novo palco imaginário da lua.

A Praça se renova em sombras & garrafas,
Os sinos da igreja repicam, graves e eternos.
Submersa em murmúrios de exílio,
A tarde agoniza sua cor em despedida,
Tingindo seus mármores turquesas
Na rubra noite de mercúrio que nos abriga.

Um violão fere os ares com sua dor
Enquanto o céu se dissolve em trevas,
Cindindo o coração em bares e abraços.
A noite se aprofunda em novos braços,
Soluços saudosos de cerveja, estrelados.
As fachadas espreitam os forasteiros,
A invasão repentina de suas muralhas
Que se armam em tenda, entrelaçando
Amigos & amantes, madrugada adentro.

A Rua é o clube do povo, a casa
Dos pandeiros de prata e poetas vadios,
Berço da cidade em decomposição.
Eu me recolho pleno em qualquer mesa,
Apreciando a infinda fauna humana
Que nunca amaina de aflição.

Entre trilhos lentos e ruidosos contornos,
Santa Tereza se recompõe em vastos poentes.
Recolhe em cada parada seus isolados,
Dilata os horizontes em domingos diários,
Desdobra-se em carnavais & casamentos.
Aqui se recolhe a poesia gasta, resto
De delírio, álcool, nuvem e lamento.
Aqui reside a noite que desperta sonora,
Faminta das próximas horas de invento.





quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Riacho do Navio





Vídeo de Eugênia Maakaroun e Leo Good God.
Poeta e intérprete: Jaílton Lima.
Trilha sonora: Frederico Chamone.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Carta ao que poderia ter sido


Ah, as cartas de amor, essas ridículas...



Faltou você entender que vez ou outra é preciso deixar o coração parar, pra poder bater de novo. Se faz amor sem final feliz o tempo todo, eu sei. Pela janela, a realidade entra junto com o que parecia ser o sol. E não era. Só que no meio dessa lucidez tem você. Tem você, o tempo todo. Sua ausência é, de todas, a presença mais permanente. A cada silêncio seu eu grito, até que minha voz se iguale à sua, e a gente volte a viver de um jeito novo, possível. Não importa se a vida doeu mais do que a gente podia levar. Não importa se eu não soube lidar com a sua inabilidade diante de mim, ou mesmo se você não se encontrou no meu olhar. Eu te achei e vou seguir te descobrindo, ainda que a uma distância segura do perigo que é amar. Entre o amor e o desamor existem todas as frases não ditas. O som abafado da vida, a cama que se cala quando os olhos abrem, as palavras que soam melhor escritas. A paixão é sempre essa pequena morte, que faz o que já era imenso parecer assustadoramente maior. A gente ainda vai morrer tanto, e tantas outras vezes, que você vai aprender. E vai lembrar de mim. Só faço uma exigência: não me pede para esquecer. Porque eu não esqueço. Toco a vida em frente, volto a sorrir, paro de evitar aquelas canções e compartilho a mesa contigo, sem desviar o olhar. Mas não esqueço. Busco abrigo em cada memória, porque foi assim que aprendi a me reconhecer e a entender que amar fica mais difícil se tivermos que apagar cada marca gravada na gente. Talvez seja só minha dificuldade em deixar tudo pra trás. Talvez seja a vontade de que você, só você, não passe. Ou talvez seja egoísmo mesmo. Tatuar pra dentro, já que no mundo esses amores não cabem mais. Eu não conseguiria aprender de novo o caminho do outro, sem o que me fez amante. O que me fez amor. Intensidade é medida de coração. E desse, por mais que tirem pedaços, não me livro nunca.




segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A mão sem a luva



Não havia luva.
Nada mais, àquela hora, ocultava a mão.
Ela se revelou, calma e quente,
quente e linda,
- linda e ali -
(ali como nunca)
mais que mão.
Era ela.
Não havia luva.

Naquele dia,
- para sua insana exposição -
não havia luva.
Só havia mão.

Muitos ãos não explicam aqueles dedos,
insustentáveis dedos.
Pesados demais para se acomodar em luvas;
ambiguidade: leves por demais para se evitar a exposição.

Entre pele e lábios,
- não havia luva -
língua e pele,
- não havia luva -
ela se fez, calma e quente,
quente e ali,
de início arredia,
em seguida entregue,
- logo após no comando -
(dedos e lábios: entrega mútua)
Reinou sobre mim!
Mão.

Mas entre a doçura dos dedos
e o amargo da culpa
o fim projetou-se,
e ela restou,
(ali, como sempre)
- perdida entre dúvidas -
Mão.

Entretanto, naquele dia,
além de mão,
além de luva,
além e ali,
(mais ali do que nunca)
- e já com um algo de sempre -
qualquer coisa de novo se manifestou.

Decerto que não mais da mesma culpa.
Tampouco outras ou renovadas luvas.

Para além da mão
e dos lábios
distinguiu-se
uma nova
pesada
insustentável
assustadora
- e prazerosa -
admissão.


Poesia: Ewerton Martins Ribeiro.

Imagem: Tokoia.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

LONGEVIDADE

O suicida optou pelo prédio mais alto da cidade.



Texto: Fred Alberti.
Imagem: Autor desconhecido.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Daqui de dentro



Para Y.A.


Dentro de mim há uma tímida devoção,
um encantamento necessário,
uma melancolia - fogueira de chama azul que consome
todas as cores do meu dia.

Dentro de mim estão todos os versos
que jamais escreverei,
um alvoroço de palavras de leveza sua.

Dentro de mim há uma felicidade inquieta,
lembrança dos carinhos que você nunca me daria,
memória turva dos caminhos que não traçamos juntos.

Dentro de mim não há dúvida,
há uma ânsia desconcertante,
um afeto sem efeito,
uma insistência, talvez, inútil.

Dentro de mim há desordem,
inquietude, mudez,
Ilusão contente de beijos e carícias.

Dentro de mim cresce
uma esperança aprendiz
de quem sabe que lá dentro,
bem no fundo,
um homem chora
e uma criança ri.





quarta-feira, 6 de julho de 2011

Aos Fantoches... Seres Humanos... De Carne ou de Pano




Nas janelas do trem
De ferro ou madeira
As montanhas são de Minas
e os trilhos também
Os apitos vão soando
num sorriso de criança
Os bilhetes recolhidos
Reprimem os pés nos bancos
São João Del-Rei
À estação Tiradentes
Cidade acolhedora
Terra de duendes
De pedras são as ruas
De magia e fantasia
Do alto a cidade
Vê-se as torres e telhados
Vizinhos companheiros
Acenam quando passam
nós fantoches seres humanos...
... de carne ou de pano.





Texto: Diane Mazzoni.
Imagem: Rômulo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

FALA


O fluxo do ouvido está travado,
Não ouço, mas escuto o que eu falo.
Vejo o que não posso.
O que se preza,
Não mata, não dorme, desespera.
O gosto do silêncio está fechado,
O grito do sufoco está calado.
Calmo, vivo, não enxerga.
Já não come, não engole,
Espera.
O homem que não pensa está ferrado.
Ferrado pelo corpo,
Pelo ato.
Não pensa, descansa,
Não se cala.
Como mero semelhante,
Não entala.
O olho do umbigo já não fecha,
A boca do sussurro já não fala.



Texto e imagem: Bruno Grossi.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

MILES DAVIS


peça para lhe dizer o indizível
só não se sabe porque já está dito
escutar não significa compreender
é mero lapso de incógnito sonido

As ondas fazem o rádio vibrar
essa linguagem indecifrável
invade, fere cristal silêncio
e faz verter o ser pelos sentidos

É o soprar de um trompete
ou o inspirar de um prodígio
que dá letras mortas à palavra
e faz calar sua medíocre eloquência


terça-feira, 14 de junho de 2011

Ciúme de você

As bochechas um pouco caídas, tal como um bulldog francês, e o olhar parado, denunciam a sua, rara, condição de seriedade. E a boca, desenhada a 0.5, com aquele detalhe no meio, fica um pouco aberta, o que faz, de vez em sempre, escorrer uma babinha. O interessante é que em vez de causar nojo, só o que faz é, automaticamente, gerar um ato de cuidado, de pegar um dos tantos paninhos que fazem parte dos apetrechos e limpar.
Uma careta, uma gracinha, esboça um sorriso e volta a ficar com a expressão séria. Será que é sono? Pode ser fome. Não, mamou há apenas duas horas. Está limpinha, então o que pode ser? Nada não. Só porque parece uma mala velha, sorrindo praticamente todos os segundos desde que acorda até dormir – e até dormindo, também sorri – não significa que as bochechas caídas são motivo de preocupação.
Até que, de repente, no meio daquela gente toda da festa junina da escolinha, ele chega. Entoa o seu grave chamamento e dois olhinhos jabuticábicos de cílios de boneca brilham. A bochecha é suspensa por um sorrisão banguelo, as pernas balançam e toda aquela seriedade, incomum, desaparece.
É... As meninas gostam mesmo dos seus papaizinhos.



Texto e imagens: Ana Flávia Rodrigues.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O amor segundo Vagner Luiz


O amor é um sentimento indescritível e confuso.
Ele é profundo, mas se percebe nos olhos, na pele, na superfície do corpo.
Experimente, por exemplo, amar alguém hoje.
Ame essa mesma pessoa amanhã e depois de amanhã e ame-a novamente.
Quando estiver cheio de amar o sentimento de amor vai vazar por seus poros.
O amor vai ser visível em seus olhos, no seu sorriso.
A pessoa que você amar vai se alimentar do amor que vazar de você.
O amor é este sentimento estranho que passa de um corpo para o outro.
Amar é bom nas primeiras vezes, nos primeiros encontros, olhares e beijos.
Depois ele se torna insuportavelmente bom.
Ame no dia dos namorados, ame depois.
Pois, entre dois dias dos namorados há 364 dias pra amar.



Texto e imagem: Vagner Luiz.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Desembarque


"Navigare necesse; vivere non est necesse"


Quero comprar um barco.
Um lar que balança como um berço para que eu possa morar.
Navegar pelos ares sonoros, deslizar correntes. Ter um barco...

Para que a vida seja,
não só o sopro quase sempre inesperado,
mas o mormaço, a brisa, o azul de céu, o pedaço do oceano,
os devaneios do mar.

Quero embarcar nessa onda que não teme correnteza,
que corre seus riscos e não tem medo de se afogar.

Vou pendurar quadros em suas paredes incertas,
encher de uísque, rum e vodka as prateleiras do bar.
Deixarei as escotilhas abertas, buscarei a bússola antiga e velas eternamente preparadas para zarpar.

Meu barco sem âncoras, sem jeito, sem rumo,
cheio de asas de ir e voltar.

Hei de morar em você, caminhar como quem mergulha em águas
que não se deve nadar.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ritual de Lua Cheia


Equinócio de Outono

Quero amá-lo
num ritual de lua cheia
equinócio de outono
amar até vir o sono
amarrá-lo nessa teia
santa ceia de noite e dia
na pousada lua e terra
na pousada céu e serra
mel e rubor
até o estupor,
explodir a alma.

Calma, calma, por apenas mais um minuto,
depois dos surtos de verão, não sei não
ainda não entendo sua evasão
calma! não sei se me acostumo
Tenho medo/tome prumo
essa é minha dualidade
e depois deu saudade
e guardei-a só pra mim
vai que é só minha, enfim,
a saudade
nem tudo foi dividido
mas algo foi duvidado
partido, compartilhado
não está escondido,
está escancarado
basta ser lido
no poste ao lado.


Poesia: Kamilla Mota.
Fotografia: Daniel Rubens Prado.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Imperceptível














ontem eu estava verbal
e não percebi
hoje apenas sinto, fito, ouço

sei de seus pensamentos
sobre o meu corpo
eles estão aqui, neste quarto

juntos
ao odor da noite, que impregna o dia
à ponte de vapores que nos liga

a memória larga
em uma fenda mínima
aberta por sua navalha

sulco
que só para mim
o espelho revela

pequena ruga em minha cara
estranha ferida que não se vê
mas constante

transcurada.

Poesia: Luisa Godoy.
Imagem: Fenton Bailey.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uma noite na Calábria


Cosenza fica no coração da Calábria, longe de atrativos turísticos e distante do mar. Mas foi nessa modesta cidade que vivi experiências surreais.

Acompanhado de meu sogro, Staś (esse “ś” pronuncia “sh”, como em inglês. Então a pronúncia é algo como “Stash”), subi uma das ladeiras que cortam o centro histórico. Passei por um sapateiro já idoso, fazendo seus próprios sapatos à moda antiga, com máquinas e equipamentos de tempos remotos. Na parede, os velhos retratos em preto e branco do que parecem ser os antepassados que tocaram aquele mesmo negócio. Ao lado dele, o filho, mais velho que eu, observava atentamente o trabalho do pai, que mostrava os detalhes do sapato que confeccionava, e o ensinava. Parecia que eu estava em um filme. Sem exagero. Sorrateiro, tirei um retrato da cena, sem que percebessem.


Mais a frente, um senhor, ainda mais idoso, sentado sozinho numa pequena livraria escura e antiga, notou que eu apreciava a vitrine e fez alguns gestos para que eu entrasse. Falava com dificuldade. E, ainda com mais dificuldade, movia-se. Ofereceu-me uma impressão de meia página que explicava a história da Praça do Duomo (catedral) local. Em seguida, entregou-me uma página impressa com uma poesia: “La Você Del Passado” (A Voz do Passado). A poesia é de sua autoria.

Apontou, então, para um pequeno livro e, com as mãos muito trêmulas, pediu para que eu o passasse. O título é “Una Vita: amori, speranze” (Uma vida: amor, esperança). É um livro de poesias, de sua autoria. Passei os olhos por algumas páginas e perguntei quanto custava. Cinco euros, ele me respondeu. E completou dizendo que eu podia oferecer o quanto eu quisesse, pela sua obra. Minha vontade naquela hora foi a de pagar 20, ou mesmo 50. Mas acabei comprando o livro pelos 5 euros sugeridos. Ele sorriu, agradecido.

Continuamos subindo pela rua estreita, já escura, até o Duomo, concluído em 1222. Em frente, havia um bar cuja fachada, de tão interessante, convidava a entrar. O bar foi inaugurado no ano de 1800, há 210 anos, e é administrado pela mesma família. Inúmeras gerações. Diplomas nas paredes, de todos os antepassados que geriram o negócio, decoravam o ambiente, assim como fotos de diversas épocas, recortes de jornais antigos com citações sobre o local, reproduções de pinturas que têm o bar como tema, um cardápio original de 1888 emoldurado na parede. Incrível.

Na descida, o sapateiro continuava a trabalhar e o filho, ao lado, apenas observava. Meu sogro quis entrar e pedir para fotografar a sapataria. Como eu era o intérprete da viagem, conversei com os dois, nos apresentando e aproveitei o ensejo para elogiar o trabalho deles e a cidade em que vivem. Agradeceram muito gentis, voltando-se de imediato ao calçado ainda por terminar.

O que era para ser apenas uma parada técnica entre a Basilicatta e a Sicília, tornou-se uma experiência inesquecível. E uma volta ao tempo. Um tempo que eu não vivi, mas no qual eu me senti extremamente confortável.

Texto e imagem: Leo Ladeira.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Primavera


As manhãs geralmente não me parecem tão belas como aquela me parecera. Havia no ar uma sensação de tranquilidade, as pessoas pelas ruas pareciam mais felizes e amáveis, embora não houvesse dúvidas de que absolutamente nada de diferente se destacava em seus rostos e em seus sorrisos. Sentia também um forte e agradável perfume sem origem, como se alguém tivera acendido gigantescos incensos de lavanda esquina após esquina. O sol iluminava a cidade e nos esquentava na exata necessidade de nossos corpos. Uma canção de Vivaldi, que somente eu parecia escutar e da qual não me recordo o nome, ampliava minha satisfação em caminhar por entre aquela gente.

E foi justamente caminhando por uma daquelas ruas que uma jovenzinha distraída foi prensada entre uma kombi escolar 1980 e um Citroën 2010-2011, com pintura cinza fosca, rodas de liga leve e elegantes detalhes em dourado nas portas e pára-brisas. Os motoristas não tentaram fugir, dezenas de ensandecidas pessoas começaram a sair de suas casas em direção à jovem e eu, que a tudo presenciei, continuava a achar a manhã muito bela e as pessoas mais felizes e amáveis, embora não houvesse dúvidas de que absolutamente nada de agradável se destacava em seus rostos atemorizados.

Texto: Frederico Alberti.
Imagem: Roy Lichtenstein.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A transformação da inocência



Presenciei, perante meu tronco, a dor e a crueza humana. A mais seca das maldades.
Estupefata, vi o sofrimento e o grito de libertação. Suas asas estavam quebradas...
Havia apenas o semblante ríspido e a materialização de um turvo morcego.
E chovia para sempre...

Eu, ali parada, fazia chover por uma eternidade.
E com instinto fatal, tomada por veemente eloqüência...
Num gesto sóbrio, porém me sentindo culpada, travei a única oportunidade de vida.
E os gemidos aumentaram...

O poder que me era dado naquele instante me encheu de voluptuosidade, puro frenesi!
Cabia a mim, só a mim, a decisão de deixar ou não a vida se manifestar.
E brinquei de Deus! Com sabor único do pecado, pude sentir minha alma sendo humanizada.
E ao ver minhas mãos comprimindo a vida, gritei de horror.

Assustada, me mantive estática.
E, na taciturna noite, só eram ouvidos os gemidos trêmulos do morcego.
Aquilo parecia uma forma de purificação, de catarse...
O animal, quase sem força, me olhava com desejo.
E me senti feminina...

Meu sangue fervia e minha alma continuava fria.
A chuva aumentava e aliviava minha culpa.
Ou será que sempre fiz chover? Não importa...
A situação causava pavor e mesclava-se a minha nova condição:
A de ser humana.



Texto: Luciana Andrade Gomes.Imagem: Edvard Munch.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu perdi a palavra e o mundo me escapa


Porque era assim. Era assim que eu costumava agarrar o mundo. A escrita faz tudo violentamente mais bonito, e eu fazia. Eu me reconhecia pelo que me traduzia. Pela poesia que a vida me dava, mesmo quando não dava. Mesmo quando não tinha. Porque quando a palavra saía fácil, eu durava no tempo. No mais inverossímil espaço de tempo. Mesmo falando da minha finitude, do meu amor, do meu desejo pelo outro (meu leitmotiv). A palavra me fazia igual ao desejo, insistente, permanente, ruidosa, própria. Agora sou lúcida, palavra que detesto. Não quero. Quero a irrealidade, quero a ilusão inconformada, quero o deleite de escrever como se não houvesse tempo, prazo, meta. Quero o prazer de escrever pra você como se não tivesse perdido um pouquinho de coração no caminho. Porque me falta a palavra, sofro compreendendo o que nunca precisei entender, choro pensando no amor que me falta e no amor que me excede. Eu já fiz sofrer tanto e reconheço a dor. Porque já sofri tanto. Mas ainda assim – e por isso - eu escrevia meus álibis. E meus cúmplices.

As coisas infinitas também morrem. Mas disso eu já sabia.

Texto: Sílvia Michelle.
Imagem: Shut up, por Tiago Ribeiro.