terça-feira, 17 de junho de 2008

AUTO-ESTRADA


meu amor tem a urgência
de sirenes de ambulância
apressa o passo lento
do passado e da infância
contorna praças viadutos
a contorno é minha errância


meu amor tem a pressa
de cortar o vento elétrico
corre-corre do mosquito
dengue em canto métrico
meu amor tem perna curta
se vacina com cicuta


meu amor está sedento
ele cruza os cruzamentos
atropela os viajantes
dos palhaços faz migalhas
meu amor quer seu amante
mas eu nunca chego à tempo


meu amor se apavora
ele nunca sabe a hora
meu amor se acelera
contra um muro de cimento
ele sabe do tormento
que é amar e se devora


meu amor é mclaren
ferrari luz e banda larga
quanto mais ele corre
mais a pista se amarga
meu amor é vagabundo
roda o mundo
e se atrasa
Imagem: Autor desconhecido.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Caixinha de Musica



Lembra daquela vez em que entre você e eu tinha ele, que depois virou outro, aquele, o amigo fiel e da noite pro dia eu, você, ele, o amigo e mais o mundo inteiro diziam não? Mesmo assim, nadando contra a corrente, furando ondas gigantes, o nosso amor nasceu pra ficar guardado. Caixinha de música que quando abre toca a música mais linda que existe, que faz rir e faz chorar, mas quando se cerra a tampa, faz-se o maior silêncio e dói.

De tempo breve e de brisa batendo no seu ouvido, da janela, na montanha gelada enquanto tentava falar comigo numa distância e água infinitas, vivemos à espera. Da espera fez-se a resignação e a vontade de andar, de viver. Não, não houve desilusão quando eu disse que partiria rumo ao outro lado. Houve a vida nos chamando e como somos assim, fomos, apenas.

De dois corações e uma linha que os unia, perdendo a cor cada dia que passava, restou muito pouco para o que, antes, a espera se valia. Pra não morrer de dor, dobrou-se o amor, ficando cada um com seu cada qual, e tudo o que passou já não fazia mais sentido.

Mas quando você voltou, ao contrario do que imaginávamos, eu estava aqui também, no mesmo lugar aonde me deixou. O nosso amor ainda estava estático, como aquela foto que você tirou sem que eu percebesse e depois me deu, para que eu soubesse que seus olhos me vigiam mesmo quando não estou vendo. Já não podíamos dar corda, pois a caixinha não poderia soar nenhuma música, porque tudo se tornou tão delicado, que qualquer passo errado, acabaria com a nossa dança.

E o que fazer com nossos olhos quando se encontram e despertam o nosso tesouro ainda não encontrado, ou, talvez, até encontrado, mas enterrado de novo para não tornar fácil o que, por contingências humanas, preferimos dificultar?

Sorrateiramente, damos a conta gotas, um ao outro, um bocado do amor que nos pertence, mas que por causa de um maldito oceano vago, irreal e enormemente no seu pensamento, nunca saberemos se ser felizes juntos seria parte do enredo. Como num jogo de azar você jura estar certo em quem apostar, mesmo deitando a cabeça no meu peito, enquanto lhe faço sonhar.


Imagem: Two Dancers in Blue, de Edgar Degas.