quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pra ver se consigo


Um dia, no longe, o passarinho voou
para os verdes do nunca mais,
e não houve
arapucas infantes,
nem visgos colantes
ou armadilhas bastantes
que o trouxessem de novo
para a gaiola dourada
onde guardamos os sonhos,
os felizes, os tristes, os alegres risonhos.
 
Mas...
 
... ganhei um alçapão de ouro,
de cana do reino, entalhado.
Vou pegar meu chamarisco
ir bem longe da cidade
só eu e minha gaiola
pra ver se consigo pegar
o passarinho muito arisco
chamado Felicidade.
 

 
Poesia: Egly Fortes de Souza, Márcio Rubens Prado e Célio Balona.
Imagem: Brito del Mar.
 


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A loucura é uma tempestade entre a alma e a realidade

 

Às vezes me vem um sonho, desses que a gente dedilha na tampa das mesas
Pudera eu ser feita de pedra de canto de passeio, alheia ao resto da história
As manhãs, que como, são especialmente torradas
Esses destemperos me atraem
Põe noção na desordem da minha alma

Estou para o abismo na estrada
Meus olhos são de poentes desarranjados
Não acredito em poesias que duram um estudo
Vivo dependurada na incredulidade
Balançando pernas como criança
Atitudes embaraçam-me o pensar

A chuva que vem de mim não molha
Uso olhos de guardar pessoas
Encarceradas em mim feito oração
O que ilumina a alma são suas chegadas

Amo os ventos em meu sentido
Deito pó em qualquer estrada
As crianças têm consistência da uva
Suspiram-me
Campos de morangos têm gosto de para sempre

Vivo entre dois mundos
Mas prefiro estar onde possa flutuar

Aqueço minhas mãos em olhares de gatos e pessoas com sofrimento
Porque são amaldiçoadas desde muito
Pequenos tristes despedaçam minhas canções

Coleciono pastilhas azuis da torre da igreja
Que caem derribadas de chuvas e vendavais
Carregam orações de sonhar, desejar, saudar e doer
Por isso têm permanência em meus vasos, oratórios e caixinhas antigas

As flores dão devaneio
Colorem pétalas das coisas que não pude
 
Anjo da guarda é minha sombra
Gentileza delicada de vigiar minhas entradas e saídas
Adoro, e lembro-me de bolinhas brancas em vermelhas sombrinhas

Desmancho minhas tristezas com dedos enroscados no cabelo
Para lambuzar sorrisos, miro sonetos
O que bebo feliz são vinhos com pouco agreste
Espelhos são atraídos se me veem

As esquinas de pôr de sol como destino
são embaladas em letras dourado-azuladas
Para fazer história sem palavras
Cantigas são como ninar a madrugada

Disponho de catracas para liberar realidades
Se estiver só, penso sanatório
Divido cada coisa em tempos separados
Que tiro sem pudor: que para mim desde "sempres", quer dizer ter vergonhas
da gente mesmo

Minha menina está repartida
Cresce em árvores solitárias
Engrandecida como milharal e lua
Perdida como doninha com cara de todo dia

Não devia parar
Sempre penso em amarelo vespertino
Porque as coisas que se deixam ver
Vislumbram do coração
Despedidas são jardins secretos
E segredos são como
palavras que pousam no ar.
 


terça-feira, 16 de julho de 2013

Laís


Ela não entendia os limites da pele e então tudo era mistura. As cores da cidade o barulho da cidade a dor do homem debaixo do viaduto os odores todos as alegrias e ansiedades eram e são ela. Era como se não houvesse fronteira era tudo encaixado na mesma massa no mesmo espaço. Ela era a rua a rua entrava nela e juntas eram uma coisa outra e a mesma coisa.
 
Tinha sempre a sensação de que era meio fora de foco para o outro, aquele que nunca é estranho - já que a compõe. É parte e não pertence. Ela é o outro e esse nem faz ideia.
 
Se fixasse bem o olhar no espelho percebia facilmente as linhas de vários tons que se esforçavam para dar-lhe um rosto. Os olhos envoltos por linhas azuladas pretas marrons e brancas emaranhavam-se para definir os cílios as pálpebras móveis as íris as olheiras. Era costura trabalhada ponto pós ponto na esperança de constituir alguma distância por menor que fosse do que ela supunha ser externo.
 
Ela sempre sentiu-se como um rascunho de si mesma.
 
 
 
Texto: Val Prochnow.
Imagem: Autor desconhecido.


segunda-feira, 1 de julho de 2013

...



Para Ferreira Gullar
em 16 de maio de 2013
 
 
Juventude
ou é passado
ou é futuro.
 
juventude é o que não é
 
é o vício do viço
e o viço é utopia
 
                      atemporal
 
juvenília-sonho,
primavera:
no ontem, será; será-seria
já no hoje, lembrança
 
umacrônica nostalgia
da vida
que nunca - é
 
                      e já nem foi;
                      e nem nunca é mais.
 
                                                                       Mancebia é uma ideia
                                                                       que se concebia - concebe - conceberá
                                                                      
                                                                                   demente
                                                                                   do tempo;
 
                                                                                              e que o tempo
                                                                                              desmente
 
                                                                                  que nem foi e nem nunca será;
 
                                                                                                                   que anteser
                                                                                                                   nem mais é
 
                                                                                  inmomento
                                                                                  vida acrônica; não vida crônica.
 
Desperta do sono
           em ânsia da primavera
           mas 'inda é em sonho
e já sonhas n'outono
 
           desesperabre os olhos:
o inverno
- implavável -
os congela
 
 
Se existe é no inverno
inconsciência invernal
 
jovemorte
atemporalimbo.
 
 
 
Poesia: Ewerton Martins Ribeiro.
Imagem:
Daniel Melvim.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Poema sem título (ou seria poema sem vergonha?)


POEMA SEM AR
 

Eu disse que precisava partir
e que nada é assim
tão preciso, tão ruim
mas que precisava ir.
 
Eu me apaixonei por outra.
Fiquei mudo - perdi
o sono, o tino, o rumo;
quase larguei tudo.
 
Pela amiga, eu fui atropelado.
Concebida a imprevisibilidade,
o momento de descuido,
o espanto, o espasmo,
acaso dos acasos
neste caso, talvez, de amor.
 
O amor é entregue,
coisa linda, leve,
de quem sabe que a vida,
muito mais que louca,
é breve.
 
 
 
Poesia: Daniel Rubens Prado.
Imagem:Jib Peter.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Clichê or not clichê


Um emaranhado de pequenos fracassos que triunfam em cima da sua esperança de amor.
Você escreve os melhores versos sofrendo as maiores desilusões. Você separa a garrafa de vinho, o papel em branco, derrama algumas lágrimas para compor o cenário e verte as palavras certeiras, a agonia presa no seu coração combalido. Os amores perdidos te ajudam a abrir os olhos pelas manhãs porque te lembram que uma nova linha pode ser escrita. Todas as paixões destruídas te fazem sentar naquele mesmo bar, pedir aquela mesma cerveja, naquele mesmo copo - e lembrar daqueles tantos colos, belchior - e rabiscar no guardanapo o poema que faltava. Todos os sonhos escurecidos pela madrugada solitária nos fazem companhia diante das teclas furiosas que ensaiam uma nova página. O duro golpe do desamor é o que nos move, o que nos faz pisar na esperança para depois vê-la ressurgir numa esquina do centro, num pastel de rua, numa marca de batom. Tantas pancadas do amor que, quando ele nos afaga, perdemos os versos, não sabemos mais que palavra usar. Tantas rasteiras da incerteza, tanta falta de coragem, que a inspiração vem da tentativa de capturar esse outro que nos escapa a todo o tempo. Tanto poderia ter sido, que a porrada de ser bate tão forte que nos derruba. E do chão jorra a palavra.
E o que eu queria dizer - e nem sei se disse - é que é mais difícil falar de amor amando.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Nosso carnaval

 
Do escuro da casa de dança, sua voz calma, como se
fosse luz, brilhou tanto que ofuscou a multidão e
congelou o tempo. Arteiro, certeiro, suas palavras
sempre exatas e sua mão, quando dada à minha,
parecem interromper o movimento do meu caminho
corda bamba, melhorando minha passada, minha
viagem, apaziguando parte de minh'alma que anda
penada, mas atordoando o meu peito, que de novo
bate, urgentemente, no compasso desse nosso
carnaval.
 
 
 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O POETA, O VIOLÃO E A PATERNIDADE

 
No caminho para mais uma reunião, o trânsito era intenso na Lagoa Rodrigo de Freitas. Que sorte. Com isso, pude perceber o cartaz que anunciava o show, a ser realizado naquela mesma data.

Entre uma viagem e outra, era mesmo muita coincidência estar na cidade na mesma noite em que o mestre Toquinho se apresentaria, com apenas um banquinho e um violão.

Já havia tido o privilégio de acompanhar um dos seus shows, na boníssima companhia de verdadeiros irmãos. Como se não bastassem as letras e melodias imortais que aprendemos a apreciar, literalmente, desde a infância, Toquinho ainda irradia uma simpatia aconchegante e conta, descontraído, casos antológicos por trás de cada composição que se segue durante o espetáculo. Assim, dessa vez, fiz questão de ir cumprimentá-lo após o show.

Entre breves palavras, acompanhado da minha irmã, tive a oportunidade de dizer ao mestre que apenas recentemente conheci uma de suas composições com Vinícius: O Filho Que Eu Quero Ter.

Disse a ele que, com a minha esposa grávida da nossa primeira filha, deparei-me, pela primeira vez, com essa música. Admirado, busquei o texto. Acompanhei as letras junto com a música até que, no meio da canção, já não conseguia mais ler, pois as lágrimas ofuscavam-me a vista.

Toquinho, então, contou-me que, certa feita, entrou no quarto de Vinícius e deparou-se com o poeta muito emocionado, aos prantos sobre sua mesa de leitura. Ele havia acabado de finalizar as letras para O Filho Que Eu Quero Ter.

Na presença do mestre, senti meus olhos novamente se enchendo d`água.

Garanto que não apenas os hormônios maternos são alterados pela maravilhosa sensação da gravidez. Os paternos também.
 
 
Texto: Leonardo Ladeira.
Escute a música aqui.




O FILHO QUE EU QUERO TER
 
É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem

De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim
Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter

(Vinícius de Moraes e Toquinho)


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Raro Efeito


 

Para T.C.B.
 
 
Beijo de musa, beijo de música,
choro, samba, encanto,
encanto que ilumina encanto
que em algum canto canta Noel e outros bambas.
 
Floresce ensolarada fascina
noctívaga na ilha
sobe à luz da Lua
louvada seja sempre levada
contida cantiga de amor
docemente embriagada
 
Menina maré, moça distante
desatino no fundo do olhar
verso achado na canção do vento
verso menino poema de amor lançado
poesia engarrafada desce o rio...
 
É Minas em busca do mar.
 
 
Poesia: Daniel Rubens Prado.
Imagem: Sérgio Aguirre.