quarta-feira, 29 de setembro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Solidão

Existiu, há milhões de anos, uma velha, muitíssimo velha e igualmente muitíssimo solitária. Não existiam outras pessoas, nem bichos, nem plantas, nem nada... Então, ela pôs-se a chorar e pediu a Deus que lhe desse companhia, pois se sentia muito infeliz e só.
Para experimentá-la, Deus enviou-lhe primeiro um monte de mosquitos, pulgas e formigas, que a atormentavam a todo o momento!
Depois, satisfeito com a sua paciência, recompensou-a, enviando ao mundo flores, pássaros e mil coisas belas, que encantavam a vista e alegravam o coração. O chão da choupana da velha cobriu-se de denso tapete de lindas florzinhas rasteiras, de todas as cores: verde, amarelo, azul, vermelho, lilás.
Ela era velha, mas não sentia a velhice. Tudo para ela era alegria, paz e encanto. Passava o seu dia a correr atrás das borboletas e a examinar as flores, cuidando delas com amor. Os pássaros vinham pousar em seus ombros e ela entretinha-se horas e horas a falar com eles. Sentia-se feliz e o mundo, a seus olhos, já não era triste e vazio.
Quando morreu, seus amigos bichos ficaram tristes, mas continuaram habitando o mundo.
Eis porque, ainda hoje, após séculos e séculos, os mosquitos adoram passear irreverentemente no rosto, braços e pernas das pessoas. Eles se lembram da velha! Porém, nós nada herdamos desta velha e não temos a mínima paciência. Daí eles se vingaram, tornando-se nocivos, como as formigas, pinicando qualquer uma...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Limoeiro


Cuidar de limoeiro é arte.

O limoeiro é turrão.
Vigora-se por pedregulhos;
Claudica-se pelo chão.
Se recebe muita água, torna-se pomposo;
E, de teimosia, retarda os frutos.
Se não recebe água, sufoca-se em cochonilhas.
E por desnutrição, também retarda os frutos.
Um limoeiro é fiel em seu compromisso de dar frutos.

O limoeiro é independente.
Gosta de crescer livremente, sem podas.
Só aceita corte dos galhos cruzados.
Tolera a poda de galhos indesejáveis.

Lidar com o limoeiro é como conviver com gente teimosa:
Ou você o deixa de lado ou enfrenta-o em toda a sua teimosia.

Se o deixar de lado, um dia dará frutos, no tempo dele.
Nunca dará frutos no tempo de expectativa dos outros.
O limoeiro é fiel em seu compromisso de dar frutos.

Se decidir enfrentá-lo, terá que fazer isso com competência.
Ele gosta de ceifa, para abrir-lhe as seivas:
O medo de morrer sem reproduzir-se o faz apressar-se em dar frutos.
Se a ceifa for muito forte, ele se machuca; magoa-se, retrai-se;
E, novamente, retarda os frutos.
Um limoeiro é sempre fiel em seu compromisso de dar frutos.

O limoeiro é forte.
Sobrevive em jardins desmazelados;
Vinga em quintais de pobres e miseráveis;
Suporta o zelo demasiado das madames;
Contudo, mantém-se fiel em seu compromisso de dar frutos.

O limoeiro é intrigante.
Espeta-nos com tenacidade;
Dá-nos sumo calmante.
Nasce de sementes jogadas ao acaso;
Vinga-se também por plantio planejado.

No meu quintal tem um limoeiro.
Não sei se nascido ao acaso;
Não sei se de plantio planejado.
Só sei que nos confundimos no viver:
Temos essência de perfumes e licores
Escondidos entre espinhos e sumo amargo.
Texto: Léssio Nunes.
Imagem: O Grande Limoeiro, de Fernando Campos.