sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Horizontalidade



O vale é vertical
as casas entre as montanhas
um pedaço de terra,
um pedaço de céu,
um pedaço de vida
entre montanhas
O padre, o pai, eu
entre montanhas
um dia transgressão da geografia
vi o horizonte. Lá onde se vê o horizonte os discursos se obnubilam - horizontalizam-se
o infinito fica a mostra
perde-se
                                                                                                                                              ou eu
                                                                        sou
                                                                                                                                                    tu
                                                                       agora


Poesia: Maiara Knihs.
Imagem: Thierry-Hennet.
 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Parto de um Texto (ou Maquiagem e Morfina)

 
O ócio atormentado erige a pena que, seringa cheia de um suor que escorre por dentro, investe palavras contra a alvura do papel tornando-o mais puro na media que macula.
 
O tormento provém do que fere a alma, sangra os princípios e derruba os dogmas tão arduamente construídos com a brisa que a musa, êmbolo precípuo de tudo, forma simplesmente por existir.
 
A musa, parto inverso (nasce pra dentro), violenta a vítima cingindo a navalha que causa o corte, que causa a dor, que causa o texto, que se finge de cura.

Cura que entorpece ao mesmo tempo que vicia.

Maquiagem que morfina,
Morfina que disfarça,
Morfina que vicia,
Morfina que me nina.
 
 
 
Texto: Igor Kolling Maciel.
Imagem: Fahad Alkadi.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Doce caminho

 
queria não ter essa cara amassada
esses olhos cansados
e o coração estranho
 
queria ser o que não fui
mas sou o passado
com o corpo podre e gasto
 
mas gosto de abrir a janela
e ver essas manhãs cinzas
me batendo nos cabelos
 
ainda posso ouvir os stones
dylan e joplin tom e chico no sofá de casa
ainda posso ler poemas e ver bons filmes
fumar o meu cigarro sem grilhões
e beber meu vinho sossegadamente
 
parece que o caminho para a morte
pode ser mais doce em dias como esses
 
 
Poesia: Adriana Godoy.
Imagem: Rafa Godoy.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Fio do mundo


Eu acredito em pássaros e nuvens
porque são leves e porque passam.
Eu tenho fé naquela que desvia o olhar,
mas me acerta com um beijo.
Eu vejo campos verdes
porque a cidade está morta.
 
Poesia e imagem: Daniel Rubens Prado.
 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

 
I
 
Em algum ponto do antigo
Curral del Rey cruzava-se
a civilidade romana
e o imaginário católico do medievo.
 A tradição clássica atravessada pelas ogivas góticas gritando uma história invisível.
Os meus ouvidos atentos ouviam aquele silêncio.
Em escutar aquelas formas performáticas
de um delírio criativo,
em atravessar as hierarquias pavimentares
cortada pelos raios coloridos das janelas, marcada pelo nascimento da guerra, pela biblioteca infinita,
pelas vozes da rádio Mineira, pelas Letras e pelos minérios
museo-logicamente
esvaziei-me.
Quase demoli-me naquele 68
sem função, era corpo sem alma para a mentalidade deles
sou de fato
corpo vagante
corpo vigente
corpo deslocado
corpo difratador de enigmas
bem no coração de BH.
 
II
 
Do Edifício Maleta me veem
me admiram: minhas cores, minhas formas
Do Edifício Maleta me cantam
minhas curvas, minha beleza
Do Edifício Maleta já não veem
que o tempo me corrói por dentro-fora
que minha única companhia são os artistas da noite
os artistas da vida que interpelam os passantes
vagabundos
assim como eu, eles sentem o solo da cidade
a poeira, os excrementos, a sujeira
que o prefeito tenta superficialmente lavar
assim como eu, eles causam uma oscilação na cidade
repúdio de uns, descaso de outros
eu-eles somos ruínas.
 
III
 
Somos mais que arruinados, somos fatasmagoria do inútil
resistência de alguma coisa
assim como palavras
palavracoisa
advérbio de lugar ou tempo
agora, pronomes
que tornam essa ferida
arquitetura
do ser.
 
 
 
Poesia: Maiara Knihs.
Imagem: Revista Bello Horizonte - Arquivo da Cidade. 
 

terça-feira, 16 de outubro de 2012


Dois pra lá, dois pra cá
gira, rodopia, expande
estira os braços lânguida e flutuante.
...ela dança.

Contrai, introspecta,
sente, grita-dói, chora,
fuzila com os olhos a plateia a sua volta.
...ela atua.

Fecha os olhos, gargareja o mar
oitava, falseta, balbucia
solta o cio ao vento, irrestrita. Maldita.
...ela canta.

E sem mais ânsias sequer
E sem mais delongas sobre esta mulher:
Ela é.


Poesia: Gigi Favacho.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Ausência



Abro os olhos. No sonho, você dizia: sim, e balançava a cabeça com suavidade; eu estendia a mão para tocá-la, mas não alcançava seu rosto; você se afastava, olhando para mim.
 Levanto da cama, me aproximo do espelho. No fundo da retina, sua imagem aparece: nua, você brinca na água. Tiro a roupa, mergulho. Você sai na outra margem, se enrola na toalha.
Entro no chuveiro. O vapor me recorda aquela noite: você bebe, encostada no balcão. A fumaça do cigarro te envolve. Finjo não te observar, você disfarça. Peço outra cerveja.
Visto a jaqueta, lembrando de como te protegia quando você tinha medo: eu te apertava contra o peito, você se encolhia e fechava os olhos, sentindo meu cheiro. Um sorriso devolvia seu rosto de menina.
Saio de casa. No ponto de ônibus, meus olhos te acompanham: inquieta, você anda de um lado para o outro, olhando o relógio. O vento atrapalha seu cabelo. Você vira de costas, suspende a gola do casaco. Sente frio. Seu ônibus chega, você sobe. Do último degrau, olha para mim.
Em frente ao Mercado Central, você entra. Parece cansada. Fico em pé, ofereço meu lugar. Você agradece e senta, abraçando a sacola de compras. Eu adorava me aconchegar ao seu colo, sentir sua pele, a cadência da respiração aumentando. E, sem mover a cabeça, brincar com a língua no brotinho do seu seio. Você ria e me acariciava, o coração disparado.
Na repartição, atendo o telefone. Com sua voz macia, me pergunta se é da Floricultura. Não, não é (mas poderia ser). Não vendem flores, aí? Não vendemos (como seria bom que...). É o número que está no catálogo, você reclama, impaciente. Ofereço ajuda, você desliga.
Saio do trabalho, volto para casa a pé. Na avenida, a multidão caminha apressada. Você passa por mim muitas vezes. Seu olhar é um vão do cansaço à ilusão.
Para encurtar a noite, tomo um caminho mais longo. No bar da esquina, quatro homens jogam cartas, gritando. Por você, eu apostaria o dobro do que não tenho.
Na janela do quarto, fumo o último cigarro. Um avião cruza o céu, rumo ao norte. Vênus ainda brilha no horizonte.
A cama é um deserto branco, vazio, assustador.

Texto: Maurício Meirelles.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quiero un mar


Para Valeria Dulitzky.

de tu aire quiero un viento
y de tu luz un sol
de tu risa quiero todo y de tu agua quiero un mar
quiero un mar, quiero un mar
quiero lluvia y quiero más

de tus ojos, de tus manos, de tu boca quiero más
tus miradas, tus caricias y tus besos quiero ya
quiero más, quiero un mar
quiero lluvia y quiero más

un impulso a lo profundo con tu sonrisa me invade
y el aire se estremece, todo parece vibrar

de tu aire quiero un viento y de tu luz un sol
de tu risa quiero todo y de tu agua quiero un mar
quiero un mar, quiero un mar
quiero lluvia y quiero más

Letra de una canción de Pablo Bas.
Imagem: Pés de Pescador, por
Fátima Baptista.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

PELE

Sobrevivo, viro esquinas, pulo poças
uma lâmina de água e sou eu
refletido inúmeras vezes, numa quase perfeição.

em primeiro plano, meu pano, meu engano
a nítida imagem, insensata palidez
o maior órgão, a capa, o couro, a tez

me dás calor, protejas meu segredo
sejas meu castelo, minha cama, meu império
minha arma, irmã, meu desejo

mas me rusgue na hora exata
me rasgue na hora exata
rompa-me na hora exata

e serei eu, somente eu, naquilo em que estiver
a ver ti, fétida, se tornar homogênea frente ao solo
a nutrir e ser útil, como sempre se propôs a ser .
Poesia: Bruno Sales.
Imagem: Crissant.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Lágrima: a cor de um sentimento


As más notícias vêm a cavalo! Era inverno. E o frio não era maior pela estação do ano ou pelo vento que parecia querer arrancá-lo pela janela do apartamento e depositá-lo 14 andares abaixo. Na verdade, o frio era como uma inoculação súbita de um sentimento vazio três dedos abaixo da ponta do osso esterno. Era um frio psicológico que gela o sangue a partir do coração.
No momento em que começa, o ritmo cardíaco deixa de fazer sentido. Veias e artérias passam a dar vazão ao líquido gelado que se espalha pelo corpo. Uma notícia assim sempre chega à noite. Céu parcialmente nublado, pouca ou nenhuma estrela. - Que idiota! - brada consigo num diálogo interior. Ele não se senta na poltrona que agora parece mais funda e ainda menos acostumada ao seu corpo que, neste exato momento, assume formas estranhas com tensões novas em músculos que nunca tinha sentido antes. É o sangue que, ainda frio, pressiona as glândulas lacrimares que vertem o mar de dentro dele.

É transparente o amor não correspondido.

 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Aves e árvores


Aprendi com minha mãe sobre as aves e a vida.
Toda árvore, ave espera, para depois ver voar.
Cresci com as quedas das folhas.
Feito deserto com sede, assuntei igual estátua de garça, e, de graça,
viver, aprendi.
Senti-me peixe, carregando o rio dentro de mim.
Meus olhos se preencheram de beleza.
Tudo era movido pelo desmedido e, na medida que crescia,
Meus olhos já não cabiam de belezas,
Então, comecei a derramar... minhas escritas.

 
Poesia: Luiz Dias.
Imagem: Ewa Zauscinska.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Seu nome

Desce a neblina, você está gelada,
seus olhos perto dos meus,
desconheço seu nome.

Invento uma regra, repudio seu frio,
ofereço um presente, um moletom sem cor,
o arlequim se vai, sou eu quem lhe beijo.

Te dou um circo, você aceita
e olha de frente todos os monstros,
mas leva de lá a alegria dos palhaços.

Descobrimos em roupa e alma
que o que era tácito foi dito.

Hoje eu sei seu nome.
Poesia: Bruno Sales.
Imagem: Rafael Godoy.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Agora que não há mais a esperar...


Minha boca foi silenciada
A espera prontamente interrompida
O amanhã se rendeu ao hoje
Nenhuma mais palavra foi proferida

Meus sentimentos foram congelados
Como granizos que subitamente caem
Batendo placidamente nos vidros
E tão logo se esvaem.

Meus olhos pesadamente se abrem
Espreitando-se em direção ao infinito
Prossigo e persigo um rumo qualquer
Guiada por um silencioso grito

Sinto-me acalentada pelo desconhecido
Me jogo e recuo, recuo e me jogo
Como vibrações sonoras
Entoadas por um peito oprimido

Na vastidão de possibilidades provisórias
Me perco nas beiras turbulentas do furacão
E me acho na calmaria do seu centro
E tudo se torna novamente uma opção.

E me lanço para fora
Ao meu tão esperado reencontro.
Poesia: Alessandra Hallak Lombardi.
Imagem: Kátia Lombardi.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

a noite sou eu


vivo a noite
sou a noite escura fria sedenta
se lua me encolho em sua sombra
se chuva me afogo em poesia

quando as luzes da cidade acendem
as pessoas nos bares ou voltando pra casa
saio em busca de meus pedaços jogados
nas esquinas e nos becos

sou os gatos
que rondam as mesas dos bares
em busca dos restos de comida
os bêbados em sua solidão mascarada
as putas atrás de seus homens perdidos

a noite sou eu a música
os ratos despercebidos e cinzas
os pássaros noturnos e silenciosos

a noite sou eu sem lua

Poesia: Adriana Godoy.
Imagem: Autor desconhedido.

quarta-feira, 11 de abril de 2012



Ela sentada sobre o degrau da porta da frente, contraída e ensimesmada. Sabia tudo o que dizer. E assim, sem mover nenhum músculo, rumou o olhar àquele homem, antes forte e que agora lhe parecia só um homem magro de barba rala e olhar incauto. Imóvel, intacta e convicta. Balbuciou para dentro aquelas palavras tão vorazes, ligeiras e agudas. Ele implorava por palavras. Ela lhe devolvia o silêncio, sempre mais intenso que seu ruído.





Texto: Gigi Favacho.

domingo, 25 de março de 2012

MÍNIMA REALEZA






falar de amor é foda
a mordaça é bruta
como falar sem podas
da primeira vez de uma puta
mendigo que escarrasse no trono
cachorro que mastigasse o dono
prece que se recusasse ao infinito
é sempre o desafio sem sentindo
de salgar os olhos do sono
se tudo já foi dito e repetido amor
se a palavra é branca e viscosa
como sêmen sobre a face impolutacomo se defecando sobre a rosaa palavra doasse o que se refutacomo se o amor fosse esse abandonoao flagelo do silêncio medonhoquando o sonho encontra o gritosagrado fadado ao mal ditoe não resta senão o gume do enganose tudo já foi dito e repetido amor
descobrir o amor: desfazer a prosa
que na cama do carma se desfrutadesmarcar as cartas viciosasmijar sobre o que a espera enlutapenetrar as coxas da lama a vergonhadesonrar qualquer túmulo que se imponhae descobrir no amor já fudidoa réstia de vida de todo morrido




Poesia de Sérgio Gomide.
Clique aqui para mais .


terça-feira, 6 de março de 2012


O corpo guia. É sincero e não mente.

Eu faria muitas coisas para agradá-lo,
simplesmente por fazer feliz meu coração
e outras partes do meu corpo.
Meu amor não é sensato,
incapaz de estatísticas e probabilidades.
Meu amor pode se fazer em um segundo,
durar apenas um segundo,
mas nunca, até hoje,
uma vida inteira.

Hoje posso dizer,
aprendi a desnudar-me de algumas pretensões,
talvez.
Talvez o amor não seja pretensioso.
Pretensões fazem parte de outro mundo de coisas...
se bem que
pretender não é tão ruim assim,
se a angústia for abandonada
e a incerteza se tornar,
ao invés de motivo de medo,
uma aliada.


Texto: Kamilla Mota.
Imagem: Shabahalov.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012



Eu que vivia poesia
Outro tempo senti que ela corria de mim
Corri atrás da poesia, como quem apenas corria
E ela fugia, numa corrida sem fim

Então um moço disse que de tanto se esforçar
Só fazia afugentar poesia
Que poesia é passarinho,
que de pouquinho em pouquinho
Se deve esperar,
Que era só se fazer de poleiro,
que sem assombro
ela viria pousar no meu ombro


Poesia: Kamilla Mota.
Imagem: Luiz Ventura.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

De um específico sentimento melancólico que resulta de um afastamento específico

Padeço de saudade crônica
e esse é o pior tipo de saudade
me faz quase um morto

Com saudade aguda
se ouve alguma orquestra sinfônica
se joga o corpo na cama
se joga na cama outro corpo
se joga e logo se faz idade
E tudo se esvai com a idade


Menos a saudade crônica

Se faz como se fosse a morte
desfaz qualquer tipo de sorte
e causa uma dor absurda
me impede de andar, senão torto
sabe, ela é arqui-inimiga da idade
uma orquestra que toca para sempre
pensando bem era mesmo melhor estar morto

Padeço de saudade crônica

E nem sei mais se padeço ou se já padeci
Pensando bem, era mesmo melhor estar morto


Sabe, eu acho que morri


Poesia: Ewerton Martins Ribeiro.
Imagem: Adam Taylor.