I
Em algum ponto do antigo
Curral del Rey cruzava-se
a civilidade romana
e o imaginário católico do medievo.
A tradição clássica atravessada pelas ogivas góticas gritando uma história invisível.
Os meus ouvidos atentos ouviam aquele silêncio.
Em escutar aquelas formas performáticas
de um delírio criativo,
em atravessar as hierarquias pavimentares
cortada pelos raios coloridos das janelas, marcada pelo nascimento da guerra, pela biblioteca infinita,
pelas vozes da rádio Mineira, pelas Letras e pelos minérios
museo-logicamente
esvaziei-me.
Quase demoli-me naquele 68
sem função, era corpo sem alma para a mentalidade deles
sou de fato
corpo vagante
corpo vigente
corpo deslocado
corpo difratador de enigmas
bem no coração de BH.
II
Do Edifício Maleta me veem
me admiram: minhas cores, minhas formas
Do Edifício Maleta me cantam
minhas curvas, minha beleza
Do Edifício Maleta já não veem
que o tempo me corrói por dentro-fora
que minha única companhia são os artistas da noite
os artistas da vida que interpelam os passantes
vagabundos
assim como eu, eles sentem o solo da cidade
a poeira, os excrementos, a sujeira
que o prefeito tenta superficialmente lavar
assim como eu, eles causam uma oscilação na cidade
repúdio de uns, descaso de outros
eu-eles somos ruínas.
III
Somos mais que arruinados, somos fatasmagoria do inútil
resistência de alguma coisa
assim como palavras
palavracoisa
advérbio de lugar ou tempo
agora, pronomes
que tornam essa ferida
arquitetura
do ser.
Poesia: Maiara Knihs.
Imagem: Revista Bello Horizonte - Arquivo da Cidade.