Através da janela da van, vejo o Rio de Janeiro. Durante todo o dia, saio em busca de objetos para os cenários de um filme. É emoldurada pela janela que a cidade se apresenta para mim.
Os desníveis do Rio são, ao mesmo tempo, sua força e sua mazela: os desníveis geográficos são a grande característica visual da cidade, que em um desenho de montanhas peculiar, demonstra a soberania da natureza diante da interferência humana. Em contrapartida, os desníveis sociais são tão nítidos e incorporados ao “cartão-postal”, que é impossível também não senti-los nas retinas. Diferente da maioria dos grandes centros urbanos, a pobreza e a desigualdade cariocas estão entranhadas nas zonas mais nobres da cidade. Não somente nas áreas margeadas, suburbanas.
Descemos da van em frente à produtora. Bairro de Botafogo. Ao nos ver, o porteiro Zé diz logo:
- Faz cinco minutos que parou o tiroteio no D. Marta. (pausa) Fuzil!
Um colega nosso de trabalho tomou três tiros no braço, há dois meses. Enquanto ia buscar a filha na escola. Uma das balas ainda permanece no braço. Não pode ser retirada sem estilhaçar o músculo. Ele agradece por estar vivo, e mais – pelo braço atingido ter sido o esquerdo! Pôde continuar trabalhando.
Continuamos. Todos nós.
No dia seguinte, parto de Laranjeiras, bairro onde moro. Vou levar um tecido à costureira Aldeíde, na comunidade do Rio das Pedras, bem depois da Barra da Tijuca. Lá, o esgoto é a céu aberto. O odor é ainda mais forte que o sol que ferve nossas cabeças. 35 graus.
Depois, a van nos leva para o sentido oposto. Alto Gávea. Precisávamos pegar alguns móveis do próprio diretor para um cenário. Ao chegar ao espaçoso casarão de três andares, os ajudantes ficaram aliviados. Não tiveram tanto trabalho – a casa possui elevador. Da sacada do imóvel, a vista para a Rocinha não nos deixa esquecer tamanha desproporção.
Voltamos pela Lagoa. É fim de tarde. A luz do sol já está mais suave. Reflete nas águas e intensifica o azul. Ciclistas transitam mansos, como se não soubessem dos problemas além dos obstáculos da pista.
Desníveis, devem pensar. Apenas.
Os desníveis do Rio são, ao mesmo tempo, sua força e sua mazela: os desníveis geográficos são a grande característica visual da cidade, que em um desenho de montanhas peculiar, demonstra a soberania da natureza diante da interferência humana. Em contrapartida, os desníveis sociais são tão nítidos e incorporados ao “cartão-postal”, que é impossível também não senti-los nas retinas. Diferente da maioria dos grandes centros urbanos, a pobreza e a desigualdade cariocas estão entranhadas nas zonas mais nobres da cidade. Não somente nas áreas margeadas, suburbanas.
Descemos da van em frente à produtora. Bairro de Botafogo. Ao nos ver, o porteiro Zé diz logo:
- Faz cinco minutos que parou o tiroteio no D. Marta. (pausa) Fuzil!
Um colega nosso de trabalho tomou três tiros no braço, há dois meses. Enquanto ia buscar a filha na escola. Uma das balas ainda permanece no braço. Não pode ser retirada sem estilhaçar o músculo. Ele agradece por estar vivo, e mais – pelo braço atingido ter sido o esquerdo! Pôde continuar trabalhando.
Continuamos. Todos nós.
No dia seguinte, parto de Laranjeiras, bairro onde moro. Vou levar um tecido à costureira Aldeíde, na comunidade do Rio das Pedras, bem depois da Barra da Tijuca. Lá, o esgoto é a céu aberto. O odor é ainda mais forte que o sol que ferve nossas cabeças. 35 graus.
Depois, a van nos leva para o sentido oposto. Alto Gávea. Precisávamos pegar alguns móveis do próprio diretor para um cenário. Ao chegar ao espaçoso casarão de três andares, os ajudantes ficaram aliviados. Não tiveram tanto trabalho – a casa possui elevador. Da sacada do imóvel, a vista para a Rocinha não nos deixa esquecer tamanha desproporção.
Voltamos pela Lagoa. É fim de tarde. A luz do sol já está mais suave. Reflete nas águas e intensifica o azul. Ciclistas transitam mansos, como se não soubessem dos problemas além dos obstáculos da pista.
Desníveis, devem pensar. Apenas.
Texto e imagem: Marcella Jacques
Julho de 2007
“Purgatório da beleza e do caos”
Julho de 2007
“Purgatório da beleza e do caos”