quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O POETA, O VIOLÃO E A PATERNIDADE

 
No caminho para mais uma reunião, o trânsito era intenso na Lagoa Rodrigo de Freitas. Que sorte. Com isso, pude perceber o cartaz que anunciava o show, a ser realizado naquela mesma data.

Entre uma viagem e outra, era mesmo muita coincidência estar na cidade na mesma noite em que o mestre Toquinho se apresentaria, com apenas um banquinho e um violão.

Já havia tido o privilégio de acompanhar um dos seus shows, na boníssima companhia de verdadeiros irmãos. Como se não bastassem as letras e melodias imortais que aprendemos a apreciar, literalmente, desde a infância, Toquinho ainda irradia uma simpatia aconchegante e conta, descontraído, casos antológicos por trás de cada composição que se segue durante o espetáculo. Assim, dessa vez, fiz questão de ir cumprimentá-lo após o show.

Entre breves palavras, acompanhado da minha irmã, tive a oportunidade de dizer ao mestre que apenas recentemente conheci uma de suas composições com Vinícius: O Filho Que Eu Quero Ter.

Disse a ele que, com a minha esposa grávida da nossa primeira filha, deparei-me, pela primeira vez, com essa música. Admirado, busquei o texto. Acompanhei as letras junto com a música até que, no meio da canção, já não conseguia mais ler, pois as lágrimas ofuscavam-me a vista.

Toquinho, então, contou-me que, certa feita, entrou no quarto de Vinícius e deparou-se com o poeta muito emocionado, aos prantos sobre sua mesa de leitura. Ele havia acabado de finalizar as letras para O Filho Que Eu Quero Ter.

Na presença do mestre, senti meus olhos novamente se enchendo d`água.

Garanto que não apenas os hormônios maternos são alterados pela maravilhosa sensação da gravidez. Os paternos também.
 
 
Texto: Leonardo Ladeira.
Escute a música aqui.




O FILHO QUE EU QUERO TER
 
É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem

De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim
Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter

(Vinícius de Moraes e Toquinho)