No centrão.
Fauna e flora riquíssimas.
Todo o povão. Sempre no seu melhor momento.
Ontem mesmo, por exemplo.
Saí pra lanchar.
Lanchonete cheia.
Só três mesinhas de dois lugares.
Cheias também.
Numa delas, uma moça. Só.
Bonita dum jeito, digamos, constitucional.
Cabelo num rabo-de-cavalo convenientemente oscilante.
Dois brincos dourados. Grandes. Exageradamente femininos.
Uma blusa branca. Leve. Fingindo transparências. Escondendo.
Ou melhor, revelando dois seios decentemente trêmulos.
A saia e os sapatos, não vi. Completando a vista parcial aérea, um
copo de vidro sobre a mesinha. Com um dedo de um líquido amarelo.
Com a minha imensa capacidade dedutiva, aperfeiçoada com a
Agatha Christie, cheguei à conclusão que a garota tinha tomado um
suco, refrigerante ou beberagem ligados à família da laranja.
A moça contemplava, cítrica, um canudinho vermelho.
Com o qual - outra detetivesca e sábia dedução - sorvera a bebida,
cujo restinho estava no fundo do copo.
Mas a menina tinha um jeito triste.
Muito triste.
Fiquei comovido assim, de graça.
Cavalheiro e charmoso, cheguei junto. Num gesto ousado, sentei-me.
Fui à luta:
- Fiquei te olhando ali do balcão. Achei bonito esse jeito seu de ficar
admirando o canudinho. Mas também achei um tanto triste. Pelo que
estou vendo, você vai chorar, não vai?
A moça esticou o canudinho, encarou-me firme e deu os trâmites por
findos:
- Sabe, moço, estava eu aqui na minha. Conversando com o
canudinho e vem o senhor cortar meu papo? Quer saber de uma
coisa?
Não tive tempo de responder.
Me entregou o canudinho num gesto irado e encerrou o momento de
poesia:
- Enfia esse canudinho no seu cu, intrometido.
Saiu da lanchonete rebolando constitucionalmente, sumindo na tarde
de quarta-feira.
E eu ali, no meio da lanchonete, com o canudinho na mão.
Obedeço a moça?
Texto: Melchiades Cherubino.