"... Rios todos com nome e que abraço como a amigos..."
João Cabral de Melo Neto.
Onze horas da manhã de domingo. Há pouco, o sol entrava pela janela do carro e impedia meu sono. Levantei no suor da minha humana poesia e ainda, um pouco bêbado. Dá para ouvir as vozes daqueles que acordaram cedo para rebater a embriaguez da noite passada. Alguns com cervejas nas mãos. Outros, café, sucos e água da bica. Eu me arrasto até eles, segurando um maço de cigarros e minha escova de dentes. Não sei o que faço primeiro. Resolvo pelo filtro vermelho. Enquanto fumo, escuto algumas histórias da noite, que fogem da minha memória. Não me culpo.
Depois da fumaça, a delícia de ter os dentes limpos e o hálito puro. Pronto, sigo morro abaixo até o rio. Já com o peito nu, prenunciando o momento a vir, assisto o sol em poesia atravessar os galhos das árvores, por entre as folhas. A cada passo, a simplicidade vai tomando forma e cores, quase irreais. Esqueço todas as outras coisas criadas pelo homem. Vou de encontro às águas que deslizam pelas pedras do rio. A imagem é leve, como eu, que vou ficando com a leveza de uma criança. A beleza indecorosa invade o domingo de março. Outono é sua estação, mas a temperatura engana.
Preparado, solto meu corpo da ponta da pedra mais alta. O contato com a água tem suavidade de um carinho inesperado. Bato os braços e vou de encontro à queda. Fecho os olhos e deixo-me atingir pelo turbilhão. Agora, faço parte de suas águas, como as pedras do seu caminho. Uma borboleta azul passa. A branca pousa no meu ombro. Minha cabeça fica leve. Minha ressaca escorre. Deságuo em pura tranqüilidade.
Daniel Rubens Prado,
Outono de 2007.
Rio Acima – Pousada Amont