- Basta acender um cigarro que o ônibus chega – diz uma senhora de sorriso macio, que espera o outro ônibus, que vai para o centro da cidade.
Retribuo o sorriso, não tão macio quanto, e entro no lotação, ainda vazio. O primeiro “bom dia” vem de uma motorista morena, de óculos escuros e movimentos de piloto de fórmula truck. Pago a passagem com uma nota canastra de dois reais e procuro um assento. Vou observando, com volúpia, a rotina das pessoas. Não antes de admirar a beleza de uma mulata sentada em um dos últimos lugares do ônibus.
No meio do caminho, em um ponto da Rua Pium-í, costumo encontrar meu tio, o Djalma. Conversas amenas vão até a Praça da Liberdade. Ali, salto no ponto em frente ao Palácio do Governo.
Hoje aconteceu diferente. Tio Pradinho, como Djalma é conhecido, não passou pela roleta. Geminiano do fim de maio, meu tio completou 65 anos de idade dia 30 e agora não mais precisa gastar dinheiro com passagens. Cumprimentamo-nos por cima da roleta e ele se assentou na parte da frente. Entre eu e ele, um vidro, onde fica o jornal mural do ônibus. O que, junto ao barulho do 9106, dificultou bastante o nosso papo. Foi como naqueles filmes policiais, onde o advogado conversa com o bandido, olhando apenas através de um vidro e usando um telefone preto. No nosso caso, só faltou o telefone.
No auge de seus 65 anos, andando de ônibus de graça, Tio Pradinho me deleita com os casos da velha São Miguel y Almas de Guanhães. Cidade onde cresceram, lá pelas paragens da Rua do Pito, os irmãos Djalma, Ildeu, Lelinho, Silvio, Mara e o interessante jovem Márcio Rubens Prado. Pois, assim, era chamado meu pai, por Mãe Naná, sua doce avó, ao enviar-lhe cartas nos anos idos. Franzino e sonhador, papai um dia veio para a cidade grande, que nem era tão grande assim. Queria, entre tantas coisas, ser homem feito. E, quem sabe, escritor.
Daniel Rubens Prado,
Inverno de 2007.
Clima quente e seco, como previu a moça bonita do tempo.
Inverno de 2007.
Clima quente e seco, como previu a moça bonita do tempo.