No caminho para mais uma reunião, o trânsito era intenso na
Lagoa Rodrigo de Freitas. Que sorte. Com isso, pude perceber o cartaz que
anunciava o show, a ser realizado naquela mesma data.
Entre uma viagem e outra, era mesmo muita coincidência estar
na cidade na mesma noite em que o mestre Toquinho se apresentaria, com apenas
um banquinho e um violão.
Já havia tido o privilégio de acompanhar um dos seus shows,
na boníssima companhia de verdadeiros irmãos. Como se não bastassem as letras e
melodias imortais que aprendemos a apreciar, literalmente, desde a infância,
Toquinho ainda irradia uma simpatia aconchegante e conta, descontraído, casos
antológicos por trás de cada composição que se segue durante o espetáculo. Assim,
dessa vez, fiz questão de ir cumprimentá-lo após o show.
Entre breves palavras, acompanhado da minha irmã, tive a
oportunidade de dizer ao mestre que apenas recentemente conheci uma de suas
composições com Vinícius: O Filho Que Eu Quero Ter.
Disse a ele que, com a minha esposa grávida da nossa
primeira filha, deparei-me, pela primeira vez, com essa música. Admirado,
busquei o texto. Acompanhei as letras junto com a música até que, no meio da
canção, já não conseguia mais ler, pois as lágrimas ofuscavam-me a vista.
Toquinho, então, contou-me que, certa feita, entrou no
quarto de Vinícius e deparou-se com o poeta muito emocionado, aos prantos sobre
sua mesa de leitura. Ele havia acabado de finalizar as letras para O Filho Que
Eu Quero Ter.
Na presença do mestre, senti meus olhos novamente se
enchendo d`água.
Garanto que não apenas os hormônios maternos são alterados
pela maravilhosa sensação da gravidez. Os paternos também.
Texto: Leonardo Ladeira.
Escute a música aqui.
O FILHO QUE EU QUERO TER
É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem
De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim
Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim
Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter
(Vinícius de Moraes e Toquinho)