terça-feira, 24 de julho de 2007

A última pilastra



“São dez para as seis da tarde. Espero meu namorado que vem passar o final de semana comigo. Há dois anos moramos em cidades distantes. Juntando dinheiro para poder morar juntos. Acho que não demora.

Cheguei cedo ao aeroporto. O vôo dele só daqui a uma hora. Combinei que não viria buscá-lo, por causa do trânsito. Mas quero fazer uma surpresa. Já fiz antes. Mais de uma vez. Amo ver os olhos dele cheios d’água. O abraço apertado e o beijo casablanca, no desembarque.

Daqui, vamos direto para o litoral. A casa de meus pais está vazia. Inteirinha pra nós. Hoje não é sexta. Mas tirei alguns dias de folga, para matar as saudades. Se o vôo atrasar, não tem problema. Tenho todo tempo do mundo para esperá-lo. O que importa é que ele está chegando.

Comprei três garrafas do nosso vinho. Duas de outra marca, para variar. Fui ontem ao supermercado. Fiquei quase duas horas pra lá e pra cá, procurando coisinhas gostosas, que meu bem agrada. Queijos, paezinhos, patês e, claro, ingredientes para fazer o fettuccine ao molho de cogumelos, que há tempos estou devendo a ele.

Conheci meu namorado na faculdade. Eu fazia arquitetura. Ele, cinema. Trombamos no corredor e logo estávamos dividindo o mesmo copo de cerveja no botequim. Formamos juntos e tínhamos planos. Mas, como sempre, os planos mudam. E meu amor também mudou. Foi para o sul trabalhar na produção de um filme. Sem problemas. Assim como os planos, nós também mudamos. Só o nosso amor que continua no mesmo enquadramento.

Minha família o ama. Graças a Deus ele torce pelo mesmo time do papai. Até costumam ir ao campo juntos. Às vezes, até preferiria que não se gostassem tanto. Em almoços de família, ele passa mais tempo com ele do que comigo. Ciuminho bobo, coisa de fêmea.

Quero ter seus filhos. Dois ou três. Uma menina, Júlia. Adoramos esse nome. Talvez, por causa da música dos Beatles. Dos meninos ainda não sabemos. Resolvemos pensar depois. Pedro, Marcos, Vinícius, João... Já discutimos tanto, e não chegamos a qualquer conclusão.

Queremos morar em uma casa com jardim e horta. Com direito a roseiras, salsinhas e cebolinhas. Provavelmente no interior. Vamos deixar nossas portas abertas. Sem medo, assim como fomos criados. Se não conseguir trabalhar com arquitetura, tudo bem. Monto uma floricultura. Sempre gostei de flores. Viver rodeada por elas, então, que maravilha.

Acabam de anunciar que o vôo dele está no horário. Senti mais um frio na barriga. Até parece que quem está voando sou eu. Vou ali, tomar um café e fumar um cigarro. Sei que o hábito não é dos melhores e meu namorado não gosta. Mas estou aflita. Sou muito ansiosa e a nicotina me ajuda. Depois, uma balinha de hortelã. Ele nem vai perceber.

Está quase na hora. Vou para o desembarque. Já até escolhi a melhor pilastra para me esconder. Não vejo a hora de ver o espanto dele quando notar que eu vim. Ah, é tanto amor, que dói...”

- Atenção passageiros do vôo JJ 3054: estamos sobrevoando o aeroporto e em breve iniciaremos os procedimentos para o pouso.

O avião não parou. A moça ficou plantada naquela pilastra. Tudo foi cancelado. O beijo, o abraço, o amor.


Daniel Rubens Prado.
Inverno de 2007.
Céu estupidamente claro.

5 comentários:

Boty disse...

A Última Pilastra é simplesmente lindo!
Você está de parabéns Buda!

M@rcia Botelho
Jornalista formada pela PUC São Gabriel
Turma do 1.ºsemestre de 2005

Anônimo disse...

Chorei.

Anônimo disse...

Boa crazy!Por um instante, a dramatização final me fez lembrar "mais uma dose"...

Anônimo disse...

Boa crazy!Por um instante, a dramatização final me fez lembrar "mais uma dose"...

Rebecca M. disse...

Muito bonito, isso...

Essas histórias que a gente fica pensando quando essas tragédias acontecem... vc colocou no papel...

E emocionou!