segunda-feira, 6 de abril de 2009

POUSO BENTO


Andamos cerca de dois dias para chegar lá. Valeu cada passo, digo de antemão. Ali, sozinha, Dona Ana Benta cuida de uma égua, duas vacas, dois bezerros, várias galinhas e de uma horta que dá gosto. Seu vizinho mais perto está a 10 quilômetros de espaço ermo, maravilhoso, entre vales e montanhas que circundam um cerrado fértil e abundante. Da solidão, ela tira força para vencer os dias, as noites, e a sedução de um mundo moderno. Dona Ana Benta não quer TV, ignora a eletricidade. Para ela, basta o calor de seu fogão a lenha.

De noite, após a janta, conversamos bastante. Falamos do céu de estrelas, do pôr-do-sol, das águas e das montanhas. No alto da serra, ouvimos muitos casos... vários deles de pessoas que viveram experiências com seres de outros planetas. Luzes estranhas, discos, flashes no céu... Para ela, tudo é normal. Sentada no fogão a lenha, Dona Ana Benta olha para a noite e, como se estivesse procurando uma estrela cadente, conta que vê os “aparelhos” todos os dias. “Outro dia, tinha dois brigando lá no alto”, conta, entre gargalhadas, com a certeza do tamanho de sua inocência, do tamanho de sua graça.

Acordamos cedo, com o bom-dia de um belo galo Garnizé. O café já estava pronto. Na mesa, um queijo redondo nos fez salivar. Dona Ana Benta nos rodeava. Andando de lá para cá, ela limpava a mesa, servia mais café, oferecia gostosos biscoitos, e resmungava quando percebia que alguém estava parando de comer. Com um pano de prato bordado nas mãos, ela ziguezagueava por entre nós... “Come mais meu filho, vocês precisam de muita força”, receitava, com ar de vó benta.

Tivemos que seguir viagem. Me voltei para Dona Ana e ela abriu os braços. Abraçados, ela me disse que sua vida se resumia em cuidar do seu lar e de fazer mais amigos. “Que bom, meu filho, que agora você é meu amigo”. Forcei meus braços mais um pouco e falei comigo mesmo. “Que bom, Dona Ana, que você existe no mundo”.





Texto: Bruno Sales.
Imagem 1: autor desconhecido.
Imagem 2: Bruno Sales.

6 comentários:

Adriana Godoy disse...

Que texto bom de ler, dá vontade de estar lá, conversando à beira do fogão com Dona Ana Benta e aprendendo essas coisas que só pessoas com ela sabem. Bonito mesmo. Bj

jota disse...

É delicioso ler este texto, mas nem se compara com os detalhes dele contado ao vivo.
Eu queria tanto conhecer a D Ana...
e ver os "aparelhos" com vcs...
Ah Nono....
bjs

Anônimo disse...

É uma pena que este tipo de riqueza está ficando escasso neste mundo que vivemos... Valeu Bruninho por relembrar desta mais verdadeira riqueza e salve D. Ana Benta!!!

Marcelinha disse...

Ahh, Bruneids! Que delícia é essa vida! E que delícia de texto...

Luisa Godoy disse...

Brunim é um talento nato pra cronista. Tem que escrever mais, é sempre muito bom.

Bruno Sales disse...

Turma, são nesses momentos que a gente para pra pensar na vida... no tanto que somos pequenos e como perdemos tempo. Dona Ana está lá, agora, em sua casinha, preparando alguma coisa gostosa em seu fogão a lenha... ou simplesmente contemplando a paisagem. beijos para todos e obrigado pelos comentários legais.