terça-feira, 9 de março de 2010


Meu nome é Maria. Aprendi desde cedo a trabalhar dissimulações: "muito prazer, que encanto é teu filho, que por do sol agradável". Sorriso gentil, aberto. Não os olhos – estes dois tristes e fundos – os olhos mais tristes que já pousei os meus – identificou certa vez um amigo, dos poucos que tive e que nem tenho mais.

Meu nome é Maria. Gostava mesmo é que fosse Vazio; ou Transparente. Ou Nada, ou nem sei mais. Talvez antes do vazio antes do nada antes da coisa se tornar transparente. Antes da coisa. Tempos atrás exercitei todo o rancor aquele mais profundo. E passei dias sem falar com o mundo, sem emitir um som que formasse algum sentido, sem vocalizar, sem ocupar o ar. Bom mesmo foi não ter que ouvir a própria voz. Achava que o bom seria que os outros se esquecessem de mim mas sou tão insignificante que nem deste gosto provei – não se deram conta de minha ausência. Ninguém, a não ser eu, Maria, sentiu minha falta. Botei-me forçosamente de cama – é virose, ensaiava caso alguém perguntasse. Esqueci-me de mim, larguei-me no meio e por cima da colcha alegre e colorida como eu não sou pra desfazer parte de tudo à minha volta.

Meu nome é Maria e por esses tempos foi Silêncio. Ou Escuro. Ando para todos os lados sem um destino já que só traçam destinos aqueles que por dentro carregam alguma espécie de esperança ou previsão. Qualquer esperança qualquer previsão. Meu nome é Maria e não nasci provida de sentimentos bons – só me acompanham os pesados e gordos que me fazem doer pernas e ombros, aqueles que arqueiam minha espinha e deformam membros e ossos. E foi sempre assim desde o momento que notei que era preciso mais do que tato olfato audição visão paladar pra se viver. Era preciso a memória dos sentidos para tudo se fazer, se formar pra dar, senão sentido, alguma expectativa de sentimento.

Meu nome é Maria e não tenho memória de infância de moça antes de tornar-me mulher nem de mulher antes de sentir-me velha. Tenho só um infinito de espaços dentro de algum lugar que não tem nome. Meu nome é Maria e podia ser Oco. E eu podia abandonar o medo e dissolver.
Texto: Val Prochnow.
Imagem: Emiliano Di Cavalcanti.

4 comentários:

Unknown disse...

é, val... vc é das boas, viu!
vida longa aos seus textos. O nome dela é Valéria, mas podia ser Intensa.
bjim,
marcelinha

Anônimo disse...

Que Lindo!

Manu disse...

Super me identifiquei. Ótimo!

Val Prochnow disse...

ai que delícia, Marcelita! Brigada, querida! Ei Beto, valeu pelo elogio e Manu, mulher é bicho estranho, ne? tem dia que a gente tá mais pra maria e outros que nem a gente sabe...