terça-feira, 3 de abril de 2007

A filha do tenente coronel


Nunca soube o que ela realmente ia fazer no prédio.

Quem sabe, filha dedicada e carinhosa, viesse ver o pai. Todos os dias, no mesmo horário.

Chegava sempre à tardinha. Como convinha ao estagiário.

No mesmo horário, ele fazia uma boca de pito em frente à empresa.

Ela vinha séria, uma graça vestida de silêncio.

Poucas vezes se entreolhavam. Ele, rendido, encantado. Do jeito que mais aprecia: pele clara branca alva, de deixar o sol sem graça. Cabelos pretos, catarata de luz negra escorrendo ombros abaixo. E, finalmente, proprietária consciente de absoluta timidez.

A moça chegava e pegava o crachá. Identificação presa à roupa, sorria para as recepcionistas, tomava o elevador. Sumia como se nunca houvesse chegado.

O estagiário caía em desvarios, sonhos, quereres. Achava que, quem sabe, um dia formariam um belo casal.

Embora nunca tivessem trocado uma palavra, nunca se esqueceu da suavidade com que ela pisava o solo nada nobre da Avenida Amazonas.

No momento esse, o centro da cidade de Belo Horizonte aspirava, gentil, os leves ares de todas as primaveras.

Os mesmos ares que os daqui aspiramos, nas manhãs de setembro, quando as brisas descem da Serra do Curral e deixam a Savassi morna e suntuosa como a moça que vem todo dia.

A filha do tenente-coronel.






Daniel Rubens Prado,
Outono de 2007.
Sol forte.Suco de caju com pastéis no meio da tarde.

Imagem: Gee!! I Wish I Were a Man,
By Howard Christy.

Um comentário:

Rebecca M. disse...

Passei por aqui... e gostei muito do que li...

Virei sempre.

Bjos,

Prazer em conhecê-lo (de novo, agora por outros ângulos...)!

Rebecca