terça-feira, 16 de julho de 2013

Laís


Ela não entendia os limites da pele e então tudo era mistura. As cores da cidade o barulho da cidade a dor do homem debaixo do viaduto os odores todos as alegrias e ansiedades eram e são ela. Era como se não houvesse fronteira era tudo encaixado na mesma massa no mesmo espaço. Ela era a rua a rua entrava nela e juntas eram uma coisa outra e a mesma coisa.
 
Tinha sempre a sensação de que era meio fora de foco para o outro, aquele que nunca é estranho - já que a compõe. É parte e não pertence. Ela é o outro e esse nem faz ideia.
 
Se fixasse bem o olhar no espelho percebia facilmente as linhas de vários tons que se esforçavam para dar-lhe um rosto. Os olhos envoltos por linhas azuladas pretas marrons e brancas emaranhavam-se para definir os cílios as pálpebras móveis as íris as olheiras. Era costura trabalhada ponto pós ponto na esperança de constituir alguma distância por menor que fosse do que ela supunha ser externo.
 
Ela sempre sentiu-se como um rascunho de si mesma.
 
 
 
Texto: Val Prochnow.
Imagem: Autor desconhecido.


segunda-feira, 1 de julho de 2013

...



Para Ferreira Gullar
em 16 de maio de 2013
 
 
Juventude
ou é passado
ou é futuro.
 
juventude é o que não é
 
é o vício do viço
e o viço é utopia
 
                      atemporal
 
juvenília-sonho,
primavera:
no ontem, será; será-seria
já no hoje, lembrança
 
umacrônica nostalgia
da vida
que nunca - é
 
                      e já nem foi;
                      e nem nunca é mais.
 
                                                                       Mancebia é uma ideia
                                                                       que se concebia - concebe - conceberá
                                                                      
                                                                                   demente
                                                                                   do tempo;
 
                                                                                              e que o tempo
                                                                                              desmente
 
                                                                                  que nem foi e nem nunca será;
 
                                                                                                                   que anteser
                                                                                                                   nem mais é
 
                                                                                  inmomento
                                                                                  vida acrônica; não vida crônica.
 
Desperta do sono
           em ânsia da primavera
           mas 'inda é em sonho
e já sonhas n'outono
 
           desesperabre os olhos:
o inverno
- implavável -
os congela
 
 
Se existe é no inverno
inconsciência invernal
 
jovemorte
atemporalimbo.
 
 
 
Poesia: Ewerton Martins Ribeiro.
Imagem:
Daniel Melvim.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Poema sem título (ou seria poema sem vergonha?)


POEMA SEM AR
 

Eu disse que precisava partir
e que nada é assim
tão preciso, tão ruim
mas que precisava ir.
 
Eu me apaixonei por outra.
Fiquei mudo - perdi
o sono, o tino, o rumo;
quase larguei tudo.
 
Pela amiga, eu fui atropelado.
Concebida a imprevisibilidade,
o momento de descuido,
o espanto, o espasmo,
acaso dos acasos
neste caso, talvez, de amor.
 
O amor é entregue,
coisa linda, leve,
de quem sabe que a vida,
muito mais que louca,
é breve.
 
 
 
Poesia: Daniel Rubens Prado.
Imagem:Jib Peter.


quinta-feira, 16 de maio de 2013

Clichê or not clichê


Um emaranhado de pequenos fracassos que triunfam em cima da sua esperança de amor.
Você escreve os melhores versos sofrendo as maiores desilusões. Você separa a garrafa de vinho, o papel em branco, derrama algumas lágrimas para compor o cenário e verte as palavras certeiras, a agonia presa no seu coração combalido. Os amores perdidos te ajudam a abrir os olhos pelas manhãs porque te lembram que uma nova linha pode ser escrita. Todas as paixões destruídas te fazem sentar naquele mesmo bar, pedir aquela mesma cerveja, naquele mesmo copo - e lembrar daqueles tantos colos, belchior - e rabiscar no guardanapo o poema que faltava. Todos os sonhos escurecidos pela madrugada solitária nos fazem companhia diante das teclas furiosas que ensaiam uma nova página. O duro golpe do desamor é o que nos move, o que nos faz pisar na esperança para depois vê-la ressurgir numa esquina do centro, num pastel de rua, numa marca de batom. Tantas pancadas do amor que, quando ele nos afaga, perdemos os versos, não sabemos mais que palavra usar. Tantas rasteiras da incerteza, tanta falta de coragem, que a inspiração vem da tentativa de capturar esse outro que nos escapa a todo o tempo. Tanto poderia ter sido, que a porrada de ser bate tão forte que nos derruba. E do chão jorra a palavra.
E o que eu queria dizer - e nem sei se disse - é que é mais difícil falar de amor amando.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Nosso carnaval

 
Do escuro da casa de dança, sua voz calma, como se
fosse luz, brilhou tanto que ofuscou a multidão e
congelou o tempo. Arteiro, certeiro, suas palavras
sempre exatas e sua mão, quando dada à minha,
parecem interromper o movimento do meu caminho
corda bamba, melhorando minha passada, minha
viagem, apaziguando parte de minh'alma que anda
penada, mas atordoando o meu peito, que de novo
bate, urgentemente, no compasso desse nosso
carnaval.