terça-feira, 11 de agosto de 2009

Um coração oprimido


Elegia à Augusto Boal
O dia que se vai
Ao derradeiro leito impermeável
Um corpo, um monólogo

Um coração oprimido

O peito aberto para o povo

Uma arena em chamas
Devaneios sociais, políticos, outrora
E a arena continua em chamas

Representação mútua
Lágrimas insanas
Sorrisos claustrofóbicos
Um insubstituível coração

Por Bruno Grossi.
Imagem: Autor desconhecido.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Casa dos Pais


Botaram plantas e flores e peixes e pedras e cimento e motor e grama. No que antes era nada fez-se fonte cascata barulhinho de água - pequena cachoeira: tem quintal na casa dos pais. O quintal da casa dos pais tem chão fértil que aceita tudo, árvore flor passarim. Qualquer bocado de vida multiplica, vira calango joão-de-barro orquídea tucano banana peixe galo manga formiga. E mais.

O pai acorda cedo, a mãe dorme tarde. Os dois. A casa dos pais, onde o amor nasce bruto, lapida os sentires todos: conversas sorrisos silêncio afetos escolhas verdades ação e cochilo depois do almoço. Algumas caseirices teimam em pontuar os encontros e isso é bom: a casa dos pais acorda os sentidos e os porquês.

Criança tem. Duas. A casa dos pais é também casa de avós. Balanço mora no galho generoso da mangueira, brinquedos espalham alegria cor e bagunça pelo chão. A mãe-avó faz as vezes de professora para a neta mais velha e despe-se de adultices pra brigar – como se dois ou três anos tivesse – com a neta mais nova que sabe bem o que quer. Pai-avô é só ternura, embora se porte feito pai mandão que nunca fora quando alguma das netas se esborracha no chão.

O sol entra de manso pela fresta da janela. O dia corre pelos jardins, passa rápido, ora leve, ora agitado e a noite deixa todos ainda mais tagarelas. A mãe das pequenas ri. É mãe, irmã e filha. Tudo junto e separado, é mulher, ainda. E menina. A irmã do meio é todo um universo. Chega sempre com descobertas e traquinagens. Sempre fora assim, dada aos prazeres. Descobriu outro dia que vai viver mesmo assim, cercada de brincadeiras. A mais velha tem mais dúvidas do que respostas, mas gosta, vez ou outra, de botar reparo no entorno. E tenta fazer disso alguma poesia.



Texto: Val Prochnow.
Imagem: Quintal da Vovó, por Ronaldo Golveia.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Crise. Que crise?


Era um mês de janeiro. Às margens do Rio Graipu, o distrito do Correntinho, humilde distrito do glorioso município de São Miguel y Almas de Guanhães, sofria sob uma chuva torrencial. Do céu cinzento desciam contínuos aguaceiros, mais fortes do que jato de chuveiro de motel cinco estrelas.

Não era só a chuva, mas os tempos, em geral, estavam difíceis para o vilarejo. A quebradeira era geral. Todos tinham dívidas, o dinheiro sumira da praça. No caso, pracinha, pois Correntinho era um cochichó de distrito. Tudo era no fiado, no beiço, no pago-amanhã. Uma tristeza.

Pois foi num dia desse janeiro chuvoso que chegou a Correntinho um viajante abonado. Dirigindo um jipe com cara de ter saído recentemente do berço, digo, fábrica. Ao descer na porta da única pensão do Correntinho, comprovou sua condição de abonado ao entrar no saguão (?) batendo um espetacular par de botas, metido num não menos competente par de galochas. E essa aparição nababesca completou-se com a figura do cidadão abrigada sob um vistoso chapéu Cury - “o chapéu para quem tem cabeça”- e uma capa Ideal estalando de nova. Tão nova que, mesmo molhada até os sovacos, nem exalava aquele pavoroso fedor de cachorro molhado.
Entrada triunfal completada, o distinto recém-chegado vai até o balcão da portaria, espicha uma nota de 100 cruzeiros e informa ao Seu Millô, porteiro, dono e guarda-livros da pensão:
– Os quartos são lá em cima, não? Depois daquela escadinha, né? Eu mesmo vou lá escolher um.

Nem esperou resposta. Dirigiu-se logo para a escada, ao mesmo tempo em que Seu Millô, rinchando de satisfação, passa a mão na nota de 100 cruzeiros. E sai porta e chuva afora correndo, a fim de pagar sua dívida com o açougueiro.

O açougueiro, que nem sonhava com dinheiro vivo, ainda mais debaixo de um chuvaréu daqueles, emitiu um caloroso rosnado de agradecimento. Despachou Seu Millô e saiu, também correndo, para pagar ao seu fornecedor de carne, o criador de gado Seu Marçal, que, felizmente, era seu vizinho.

Seu Marçal, agradavelmente surpreendido ao enrolar um cigarro de palha, recebeu, aturdido, aquele dinheiro que não esperava. Resmungou uma desculpa para a mulher que labutava no interior da casa e, tal qual gato andando em desenho animado, deslizou, sorrateiro, para a chuvarada que caía lá fora. Corre apressado pelas quinas da rua, com jeito de espião na II Grande Guerra, para acertar as contas com a prostituta Basti, que, exatamente por causa da crise, dera fiado pra ele (quatro vezes).

Cuja Basti, agradecendo com um beijo que breou de batom o assustado Seu Marçal, voa para o hotel, chama Seu Millô e paga a ele o aluguel, atrasado, do quarto que usava para atender à sua escassa, porém fiel clientela.

No exato momento em que a transação foi efetuada, o viajante, fazendo cara de entojado, volta ao saguão do hotel e demole Seu Millô, informando:

- Escolhi um quarto lá em cima e resolvi tirar uma soneca. Um desastre. Mal mal peguei no sono, fui atacado por uma manada de pulgas que me ferroaram todo. E, pior: uma esquadrilha de burrachudos quase me devorou vivo. Onde já se viu burrachudo de dia, Seu Millô? Num fico aqui nem morto. Me dá meu dinheiro de volta. Tô sumindo.

Recebe os 100 cruzeiros de volta, dá um toque na aba do chapéu, entra no jipe e escafede.
Seu Millô, com um jeito de nem tchum para o viajante, ilumina a cara num sorriso por descobrir que essa tal de crise é invenção do povo dos jornais, pois a solução tava ali, na cara: cada um paga o que deve, honra os compromissos, e a vida vai em frente.

Tão em frente que merece, no mínimo, uma comemorada.

- Quer saber? Oi, Teresa, traz uma cachacinha aí pra mim. Com um torresminho, pode ser?


Melchiades Cherubino
Imagem: Internet.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

A FACA E O QUEIJO


Entre todos os dons, o de me deixar partir.
Sempre me abandona pelas mãos.
Faz saber-me seu para dizer adeus.




Texto: Djalma Gonçalves.
Imagem: Hungry For Your Touch, 1971, por Jan Saudek.