sábado, 27 de setembro de 2008

FALA


O fluxo do ouvido está travado,
Não ouço, mas escuto o que eu falo.
Vejo o que não posso.
O que se preza,
Não mata, não dorme, desespera.
O gosto do silêncio está fechado,
O grito do sufoco está calado.
Calmo, vivo, não enxerga.
Já não come, não engole,
Espera.

O homem que não pensa está ferrado.
Ferrado pelo corpo,
Pelo ato.
Não pensa, descansa,
Não se cala.

Como mero semelhante,
Não entala.
O olho do umbigo já não fecha,
A boca do sussurro já não fala.
Versos: Bruno Grossi.
Imagem: A Cidade
Acrílica e Carvão sobre cartão
60cm x 40cm
2008

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Do outro lado do muro


Domingo. O sol iluminava os cabelos dourados do menino. O menino iluminava os olhos do poeta e os enchia de esperança. Entre os dois, uma bola. A bola nos pés do menino, a bola nos pés do poeta.

Tentou um drible, mais um, até jogá-la para o outro lado do muro. Teve medo de perder mais uma bola. Teve medo de trocar a alegria de domingo pelo choro. Mas, antes que o menino derramasse a primeira gota salgada, o poeta lembrou-se de que um dia foi menino. Menino que não sonhava em ser poeta, mas já vivia de poesia - estado de graça.

Tirou o relógio do pulso, sorriu, moleque peralta, puxou um bocado de ar e pulou o muro como nos tempos idos.

Dois arranhões no braço, dos cacos de vidro do muro e da distância que o separava da meninice. E, mais, o dourado de todas as infâncias sorrindo na cara do menino.

A bola nos pés do menino, a bola nos pés do poeta.

Domingo salvo.
Imagem: Bruno Correia.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Presente do Indicativo


Penso em você, é claro,
quando o frio bate e a minha nuca, agora nua,
está longe das suas mãos,
que a aquecem e acendem
a paixão de ter você, enfim.

Penso no vazio que sinto
quando, por não me entender,
eu mesma o afasto e vejo
os lençóis desarrumados
marcando contornos do seu corpo,
que mora ali quando sou amorosa.

Penso nas cores que irradiam
da sua presença, nas flores
vermelhas dos meninos
de Liverpool, no verde da
samambaia, no furta-cor rítmico
cintilante, brilhante, que exala
da sua vocação em tocar meu
coração.

Penso em não soltar
as suas mãos que afagam
a minha dor, que se juntam
como se quisessem me dar
um pouco de ar para beber,
quando de noite o sono
tenta me golpear em alerta.

Penso na minha insistência
em permanecer imperfeita,
e no medo de, por estúpidas ilusões,
ter certeza do contrário e
acabar deixando escorrer,
esvair a única fonte do
verdadeiro amor que conheci
desde que a vida me deu você.