A nossa eutanástica Ana Flávia Rodrigues viajou pelas paragens da Austrália e acabou indo parar na África do Sul. Ela preferiu ser nossa correspondente no continente africano, do que relatar a riqueza e a beleza óbvia da Oceania.
Hoje, aqui na África, precisamente em Joanesburgo, vi e vivi a mais completa contradição em relação à Austrália. As pessoas, as ruas, as casas – mulheres com seus filhos carregados por panos amarrados nas costas; os dialetos, o jeito de nos olhar bem no fundo dos olhos – meio branco-avermelhados, destacados no meio da pele negra, negríssima, ofuscada quando eles sorriem. E isso é fácil de acontecer. Com todas as dores do mundo em um mesmo lugar, eles sorriem muito. É puro fascínio. Lembra-me um povo que está do outro lado do oceano.
O principal dialeto, o zulu, é o mais falado. Logo aprendi algumas palavras básicas para tentar ser o mais gentil possível com as pessoas daqui. Entro nos lugares e digo “sawubona” e, com sorrisos largos, eles me respondem “kunjani”. Retruco mais uma vez dizendo: “ngyaphila” e todos passam do sorriso para o riso, espantados porque uma turista está falando zulu. Não é nada demais; apenas uma seqüência comum de “Olá, como vai você?”, “estou bem”. Finalizado com o obrigado – “ngyabonga”. Fiquei pensando sobre o espanto deles e percebi, depois que perguntei ao meu guia do dia, que raríssimas pessoas se interessam pela língua deles.
Em Soweto, onde viveu Nelson Mandela antes de ser preso e apenas dez dias quando foi solto, 27 anos depois, comecei a andar pela classe pobre, semelhantes às nossas favelas, com aquelas casas improvisadas com tudo que pode ser reutilizado. Porém, são menos “sofisticadas”, pois não vi nenhum “gato” no telhado. Eles não têm eletricidade. Luz só se tem com velas. Rádios e televisões com baterias de carro. Água é artigo de luxo – eles costumam buscar em algum poço nas redondezas. Conheci uma casa onde tinha couve plantada no quintal. Que maravilha! A dignidade impera diante a pobreza. Lembrei-me de uma certa gente humilde do outro lado do oceano. Que vontade de chorar...
Passei pela classe média e depois pelas casas dos ricos. O meu guia, o Moses, mostrava entusiasmado as casas grandes, que para mim não tinham nada de extraordinário. Ele falava: “Esse povo tem muito dinheiro”. Imaginei o que seria ter pouco ou quase nada aqui. Então, fui à casa do Nelson Mandela.
Almoçamos e, para minha felicidade, comi frango ensopado, arroz à grega, carne de panela e feijão! Ah, feijão depois de mais de 35 dias. As cozinheiras... daquele tipo Maria, sabe? Com bundas enormes, panos amarrados na cabeça e um jeitão matriarcal. Certas pessoas, que vivem do outro lado do Atlântico, não fazem a mínima idéia do quanto somos profundamente africanos.
Estive no museu do Apartheid. Sim, chorei. Fiquei indignada com a ignorância dos homens e emocionada com outros que fizeram e fazem valer a pena toda a luta pela liberdade e pela dignidade. Lá, vi uma frase que me lembrou o povo brasileiro: “O homem não pode se livrar dos problemas, mas pode, de vez em quando, deixa-los “flutuando”. Assim como nós fazemos na ofegante epidemia que se chama carnaval.
Mama África é demais.
Um bom feriado para todos.
Ana Flavia Rodrigues – Joanesburgo.
Verão de 2008.
Verão de 2008.
Esta propaganda circulou por aí, mas muita gente ainda não viu. Vale muito a pena. É fantástica!
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2 comentários:
vontade de também pousar os olhos
com a delicadeza necessária (feito Ninha) nessas terras africanas...
Legal os escritos doutro continente! Mas meu comentário vai para a propaganda:
A idéia é acabar com racismo (de brancos contra negros) no futebol, mas a ferramenta usada para isso foi o próprio racismo, porém dos negros em relação aos brancos. É igual tentar acabar com a violência dando porrada nos violentos! Mas que a tirada é boa, isso é.
Beijos.
Bruno Sales.
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