quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Ausência



Abro os olhos. No sonho, você dizia: sim, e balançava a cabeça com suavidade; eu estendia a mão para tocá-la, mas não alcançava seu rosto; você se afastava, olhando para mim.
 Levanto da cama, me aproximo do espelho. No fundo da retina, sua imagem aparece: nua, você brinca na água. Tiro a roupa, mergulho. Você sai na outra margem, se enrola na toalha.
Entro no chuveiro. O vapor me recorda aquela noite: você bebe, encostada no balcão. A fumaça do cigarro te envolve. Finjo não te observar, você disfarça. Peço outra cerveja.
Visto a jaqueta, lembrando de como te protegia quando você tinha medo: eu te apertava contra o peito, você se encolhia e fechava os olhos, sentindo meu cheiro. Um sorriso devolvia seu rosto de menina.
Saio de casa. No ponto de ônibus, meus olhos te acompanham: inquieta, você anda de um lado para o outro, olhando o relógio. O vento atrapalha seu cabelo. Você vira de costas, suspende a gola do casaco. Sente frio. Seu ônibus chega, você sobe. Do último degrau, olha para mim.
Em frente ao Mercado Central, você entra. Parece cansada. Fico em pé, ofereço meu lugar. Você agradece e senta, abraçando a sacola de compras. Eu adorava me aconchegar ao seu colo, sentir sua pele, a cadência da respiração aumentando. E, sem mover a cabeça, brincar com a língua no brotinho do seu seio. Você ria e me acariciava, o coração disparado.
Na repartição, atendo o telefone. Com sua voz macia, me pergunta se é da Floricultura. Não, não é (mas poderia ser). Não vendem flores, aí? Não vendemos (como seria bom que...). É o número que está no catálogo, você reclama, impaciente. Ofereço ajuda, você desliga.
Saio do trabalho, volto para casa a pé. Na avenida, a multidão caminha apressada. Você passa por mim muitas vezes. Seu olhar é um vão do cansaço à ilusão.
Para encurtar a noite, tomo um caminho mais longo. No bar da esquina, quatro homens jogam cartas, gritando. Por você, eu apostaria o dobro do que não tenho.
Na janela do quarto, fumo o último cigarro. Um avião cruza o céu, rumo ao norte. Vênus ainda brilha no horizonte.
A cama é um deserto branco, vazio, assustador.

Texto: Maurício Meirelles.