Cosenza fica no coração da Calábria, longe de atrativos turísticos e distante do mar. Mas foi nessa modesta cidade que vivi experiências surreais.
Acompanhado de meu sogro, Staś (esse “ś” pronuncia “sh”, como em inglês. Então a pronúncia é algo como “Stash”), subi uma das ladeiras que cortam o centro histórico. Passei por um sapateiro já idoso, fazendo seus próprios sapatos à moda antiga, com máquinas e equipamentos de tempos remotos. Na parede, os velhos retratos em preto e branco do que parecem ser os antepassados que tocaram aquele mesmo negócio. Ao lado dele, o filho, mais velho que eu, observava atentamente o trabalho do pai, que mostrava os detalhes do sapato que confeccionava, e o ensinava. Parecia que eu estava em um filme. Sem exagero. Sorrateiro, tirei um retrato da cena, sem que percebessem.
Mais a frente, um senhor, ainda mais idoso, sentado sozinho numa pequena livraria escura e antiga, notou que eu apreciava a vitrine e fez alguns gestos para que eu entrasse. Falava com dificuldade. E, ainda com mais dificuldade, movia-se. Ofereceu-me uma impressão de meia página que explicava a história da Praça do Duomo (catedral) local. Em seguida, entregou-me uma página impressa com uma poesia: “La Você Del Passado” (A Voz do Passado). A poesia é de sua autoria.
Apontou, então, para um pequeno livro e, com as mãos muito trêmulas, pediu para que eu o passasse. O título é “Una Vita: amori, speranze” (Uma vida: amor, esperança). É um livro de poesias, de sua autoria. Passei os olhos por algumas páginas e perguntei quanto custava. Cinco euros, ele me respondeu. E completou dizendo que eu podia oferecer o quanto eu quisesse, pela sua obra. Minha vontade naquela hora foi a de pagar 20, ou mesmo 50. Mas acabei comprando o livro pelos 5 euros sugeridos. Ele sorriu, agradecido.
Continuamos subindo pela rua estreita, já escura, até o Duomo, concluído em 1222. Em frente, havia um bar cuja fachada, de tão interessante, convidava a entrar. O bar foi inaugurado no ano de 1800, há 210 anos, e é administrado pela mesma família. Inúmeras gerações. Diplomas nas paredes, de todos os antepassados que geriram o negócio, decoravam o ambiente, assim como fotos de diversas épocas, recortes de jornais antigos com citações sobre o local, reproduções de pinturas que têm o bar como tema, um cardápio original de 1888 emoldurado na parede. Incrível.
Na descida, o sapateiro continuava a trabalhar e o filho, ao lado, apenas observava. Meu sogro quis entrar e pedir para fotografar a sapataria. Como eu era o intérprete da viagem, conversei com os dois, nos apresentando e aproveitei o ensejo para elogiar o trabalho deles e a cidade em que vivem. Agradeceram muito gentis, voltando-se de imediato ao calçado ainda por terminar.
O que era para ser apenas uma parada técnica entre a Basilicatta e a Sicília, tornou-se uma experiência inesquecível. E uma volta ao tempo. Um tempo que eu não vivi, mas no qual eu me senti extremamente confortável.
Texto e imagem: Leo Ladeira.