terça-feira, 30 de agosto de 2011

NOTURNO PARA SANTA TEREZA

A noite avança prenhe de esperanças,
Interrompe o reinado das cadernetas,
Incita um motim de ébrios em cada esquina.
Revolvendo as celestes rugas suspensas,
A noite monta seu camarim nas calçadas –
Novo palco imaginário da lua.

A Praça se renova em sombras & garrafas,
Os sinos da igreja repicam, graves e eternos.
Submersa em murmúrios de exílio,
A tarde agoniza sua cor em despedida,
Tingindo seus mármores turquesas
Na rubra noite de mercúrio que nos abriga.

Um violão fere os ares com sua dor
Enquanto o céu se dissolve em trevas,
Cindindo o coração em bares e abraços.
A noite se aprofunda em novos braços,
Soluços saudosos de cerveja, estrelados.
As fachadas espreitam os forasteiros,
A invasão repentina de suas muralhas
Que se armam em tenda, entrelaçando
Amigos & amantes, madrugada adentro.

A Rua é o clube do povo, a casa
Dos pandeiros de prata e poetas vadios,
Berço da cidade em decomposição.
Eu me recolho pleno em qualquer mesa,
Apreciando a infinda fauna humana
Que nunca amaina de aflição.

Entre trilhos lentos e ruidosos contornos,
Santa Tereza se recompõe em vastos poentes.
Recolhe em cada parada seus isolados,
Dilata os horizontes em domingos diários,
Desdobra-se em carnavais & casamentos.
Aqui se recolhe a poesia gasta, resto
De delírio, álcool, nuvem e lamento.
Aqui reside a noite que desperta sonora,
Faminta das próximas horas de invento.





quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Riacho do Navio





Vídeo de Eugênia Maakaroun e Leo Good God.
Poeta e intérprete: Jaílton Lima.
Trilha sonora: Frederico Chamone.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Carta ao que poderia ter sido


Ah, as cartas de amor, essas ridículas...



Faltou você entender que vez ou outra é preciso deixar o coração parar, pra poder bater de novo. Se faz amor sem final feliz o tempo todo, eu sei. Pela janela, a realidade entra junto com o que parecia ser o sol. E não era. Só que no meio dessa lucidez tem você. Tem você, o tempo todo. Sua ausência é, de todas, a presença mais permanente. A cada silêncio seu eu grito, até que minha voz se iguale à sua, e a gente volte a viver de um jeito novo, possível. Não importa se a vida doeu mais do que a gente podia levar. Não importa se eu não soube lidar com a sua inabilidade diante de mim, ou mesmo se você não se encontrou no meu olhar. Eu te achei e vou seguir te descobrindo, ainda que a uma distância segura do perigo que é amar. Entre o amor e o desamor existem todas as frases não ditas. O som abafado da vida, a cama que se cala quando os olhos abrem, as palavras que soam melhor escritas. A paixão é sempre essa pequena morte, que faz o que já era imenso parecer assustadoramente maior. A gente ainda vai morrer tanto, e tantas outras vezes, que você vai aprender. E vai lembrar de mim. Só faço uma exigência: não me pede para esquecer. Porque eu não esqueço. Toco a vida em frente, volto a sorrir, paro de evitar aquelas canções e compartilho a mesa contigo, sem desviar o olhar. Mas não esqueço. Busco abrigo em cada memória, porque foi assim que aprendi a me reconhecer e a entender que amar fica mais difícil se tivermos que apagar cada marca gravada na gente. Talvez seja só minha dificuldade em deixar tudo pra trás. Talvez seja a vontade de que você, só você, não passe. Ou talvez seja egoísmo mesmo. Tatuar pra dentro, já que no mundo esses amores não cabem mais. Eu não conseguiria aprender de novo o caminho do outro, sem o que me fez amante. O que me fez amor. Intensidade é medida de coração. E desse, por mais que tirem pedaços, não me livro nunca.




segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A mão sem a luva



Não havia luva.
Nada mais, àquela hora, ocultava a mão.
Ela se revelou, calma e quente,
quente e linda,
- linda e ali -
(ali como nunca)
mais que mão.
Era ela.
Não havia luva.

Naquele dia,
- para sua insana exposição -
não havia luva.
Só havia mão.

Muitos ãos não explicam aqueles dedos,
insustentáveis dedos.
Pesados demais para se acomodar em luvas;
ambiguidade: leves por demais para se evitar a exposição.

Entre pele e lábios,
- não havia luva -
língua e pele,
- não havia luva -
ela se fez, calma e quente,
quente e ali,
de início arredia,
em seguida entregue,
- logo após no comando -
(dedos e lábios: entrega mútua)
Reinou sobre mim!
Mão.

Mas entre a doçura dos dedos
e o amargo da culpa
o fim projetou-se,
e ela restou,
(ali, como sempre)
- perdida entre dúvidas -
Mão.

Entretanto, naquele dia,
além de mão,
além de luva,
além e ali,
(mais ali do que nunca)
- e já com um algo de sempre -
qualquer coisa de novo se manifestou.

Decerto que não mais da mesma culpa.
Tampouco outras ou renovadas luvas.

Para além da mão
e dos lábios
distinguiu-se
uma nova
pesada
insustentável
assustadora
- e prazerosa -
admissão.


Poesia: Ewerton Martins Ribeiro.

Imagem: Tokoia.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

LONGEVIDADE

O suicida optou pelo prédio mais alto da cidade.



Texto: Fred Alberti.
Imagem: Autor desconhecido.