terça-feira, 27 de julho de 2010

Mensagem

Sou uma flor silvestre, uma pequenina flor sem beleza, sem perfume, sem significação alguma para o mundo, porém, para Deus, sou algo mais que uma simples plantinha desprezada aqui em baixo! Eu era do Seu jardim, lá em cima, mas por razão só dele sabida, fui um dia atirada ao mundo onde deverei permanecer alguns anos.

Já passei por muitas mãos, umas que me amaram, outras que me desprezaram e outras que me aceitaram por caridade cristã, ou aceitam-me ainda.

Tenho uma missão, no fim da qual, conforme o meu merecimento, voltarei para o meu jardim, o Jardim de Deus. Tenho observado o mundo, e vejo muito egoísmo, muito orgulho, muito ódio, calúnias, incredulidade, invejas e decepções. Mas, vou seguindo avante, com uma lágrima em minhas pétalas, com um misto de dor e pena por essas criaturas. Oro por elas e distribuo carinho, uma palavra amiga, leal e afetuosa. A minha divisa é esta: dar o quanto possível, amar a todos como irmãos, perdoar sempre e receber o menos que puder.

Não adoro a existência, pois acho os meus dias longos demais e a vida interminável. Os meus caminhos são espinhosos, silenciosos, tenebrosos, mas tenciono lutar por vencer os obstáculos e chegar um dia sã e salva ao cimo do calvário com minha cruz. Aí, creio, o mundo me sorrirá e eu me sentirei feliz na paz de Deus, contente por ter dado conta do recado.

Texto: Maria Francisca da Silva.
Imagem: Autor desconhecido.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ainda penso

Lá fora vai a Lua, vestida belamente como uma santa. Incide pálida. Já faz hora que está ali. Não titubeia. Estou sentada, hermética, na minha pequena bacia, outrora tacho de fazer marmelada. Tento enxergar as letras grandes e taciturnas do romance. Luto com uma lasca de unha no canto do dedão. Adoro cutucar pés de um modo geral, não tenho preconceitos renitentes.

Queria jantar agora a sopa de cenoura amarela, de quando era só uma “petit” - três pratões – na cozinha da minha outra vó. Tento achar um credo qualquer prá rezar baixinho. Ainda está lá lutando no clarão de luar a pequena estrela. De longe me fita. Está assim há meses, procurando um olhar. Agora é que me acha. Rebelde. Com vontades de fazer fogueira de lenha nova, só prá ver no fogo estourar – chiar – chiado de verde.

Vai amanhecer um dia, e há de me achar assim, prá me pedir prá acordar o Sol com balanços largos de braço, que nem dos homens que guiam os aviões – aqueles bichos prateados enormes que fazem medo na minha irmã.

Tem tempos que não penso neles. Os que dividiram ou compartilharam a minha casa primeira – lá longe no escuro, onde era a barriga de minha mãe.

Chamo “tesa” o Inverno, prá embolar meus pés debaixo da camisola comprida e branca que sempre sonhei no meu filme. E ficar de balanço prá frente e prá trás até me jogarem um xale – Contra regra.

Puxo meus cabelos pelos dedos, enroscam-se. Estou ali prá lembrar alguém. Mas ainda estou jovem. Minhas pernas são firmes, meu olhar nem tanto. A Lua ou a Santa ainda me observa. Estou prá gata ou loba? Mas não vou uivar. Ainda.

Trago um pouco a bacia prá frente – me ajeito na almofada que está equilibrando o Atlas pelo Mundo – ela range “raspenta” – e eu rio, um rio sequinho de cascalhinhos rosáceos.

Penso como deve ser bom jogar palavras ao vento – ver como flutuam, voejam ou se pesadas, tombam. Fico imaginando se ponho uma poesia no meio do caminho em cima ou embaixo daquela pesada palavra e pedra. Sou de tudo. Mas amo blues. Música que pede cigarro, uma bebida vertente e um cheiro de amor do passado. “Cheek to cheek”. A bacia agora ri, seu riso de metal, me assombra. Brrrrrrr....

Será mesmo que as margaridas vêm? A minha prima se foi com elas num janeiro doentio. Meus avôs bem antes, todos – nem sobrou nenhum.

O livro estava lá sentado, queria começar. Mas eu não tinha pressa. Estava ali, catando coisas na minha cabeça. Piolhos de idéia. Prá botar numa página e sonhar de estourar no dedão as mais pestilentas. Sonho, de menina, de ser famosa com letras, filhas ou ideais.

Mas a estrela que agora me cativa não me liberta. Procura em mim meu ocaso adolescente. Parece que nunca vai achar. Acredito mesmo nas guerras sem tinta? Brancas, tão brancas como essa luz de lua e os ossos de Cervantes. A passarela negra agora já não permite que a estrela me veja inteira. Viro e pego um cigarro escondido. Estão como anjos os cravos argentinos na minha jardineira. Mudos e solícitos. Já vem a madrugada. Não sei o que vem dessa aí. Sorrio para ela como os colibris. Que riem demasiado cínicos, sem dentes. Contra-regra – Uma taça de vinho – vermelho e borbulhante. Sem gelo. Apenas o inverno me basta. Deito-me até os cabelos enroscarem meus pés. O livro se levanta, sai. Dou de ombros. Ainda penso que vai amanhecer um dia.



Texto: Ana Guerra.
Imagem: Bill Henson.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Garoinha

Chove melro no quintal de casa. Caem da árvore feito fruta madurada. Azuis intensos repousam em suas asas fartas frisadas fissurinhas de desejo de semente. Pousam atabalhoados no chão de pedra cinzenta e são muitos vários largas porções de asinhas bicos penas cantos e falas num passarinhês próprio. O amarelo do sol rebate no serzinho e os alimenta de céu nuvem vento e iluminidades. Ficam eles na função de empoleirar nos galhos da árvore virar a cabecinha passarinhar num abre e fecha de bocas pernas braços alados para mais uma vez choverem no quintal. Às vezes um e outro alagam escorrem grama verde afora chegam mansinhos à porta da casa. A menininha pergunta se tem permissão para chegar. ‘Posso espantar os passarinhos?’. Assim que o avô dá a afirmativa ela sai em disparada. Com as perninhas curtas morenas reboladas vai bem devagarinho sabida que é: para espantar passarinho que chove abundante há de ter a mão certa cuidado desexato para não desbancar em tempestade. A menininha ri gargalha e remexe as mãozinhas satisfeita com a façanha de fazer chover ao contrário os melros do quintal. Isso feito volta respingada para o abraço do avô e espera que os melros subam novamente no galho para desinverter sua marolinha traquina.
Texto: Val Prochnow.
Imagem: Claire Wright.

domingo, 4 de julho de 2010

Mais este retorno


Todo retorno dura mais que o esperado.
Esse retorno, que são tantas esperas,
Arrasta-se pela carne tensa da cidade,
E agoniza entre as quimeras de pedra.

Um retorno custa mais que o esquecimento.
O tempo perdido se contabiliza em nuvens,
As cores & amores sonhados, também em nuvens,
Não chovem jamais e se dissolvem no pó.

Todo retorno deve ser vigoroso, russo e bruto.
Um retorno como esse é no mínimo um touro,
Um sopro súbito sobre as vastas indecisões,
Sobre a dúvida que mina a criação.
Poesia: João Tonucci.
Imagem: Autor procurado, mas ainda desconhecido.