sexta-feira, 24 de abril de 2009

VOVÓ E OS NOMES

(com direito à origem da isca de fígado em São Miguel)
Vovó teve vários nomes. A certidão de idade, de 13 de março de 1875, era Luíza Sidônia. De Diamantina. Onde se formou professora, na mesma turma da conterrânea Júlia Kubitscheck.

Além de Luíza, Vovó foi Minha Mestra, Mestra Luíza, Mãe Mestra, Dona Luíza, Naná e, para nós, os netos, e todos os alunos do recém-criado Ginásio Mineiro de São Miguel y Almas de Guanhães, Mãe Naná. Este último codinome ganhou do primeiro neto, que aprendeu, simultaneamente, a falar “Mamãe” e “Naná”, criado que foi na casa da avó.

Nos primeiros anos em São Miguel y Almas, Mãe Naná era citada como “a dona que comia carne para cachorro”.

Com razão. Quando, recém-chegada, apareceu, pela primeira vez no Açougue Municipal, pediu um quilo de fígado:
- De fígado?

- Sim, senhor, de fígado de boi.

O açougueiro lambuzou-se em espantos:
- A senhora tem algum cachorro?

- Não, meu senhor. O fígado é para eu fazer um picadinho pro meu marido.

O açougueiro, despencando das grimpas da incredulidade, informou:
- Toma aqui. A senhora pode levar esse trem todo. Aqui, dona, só cachorro come essa porcaria.

E, entregando-lhe o embrulho com uns dois quilos de fígado, emendou:
- Toda vez que a senhora quiser mais, pode mandar buscar. Vai ser de graça... na bistunta.

Com o tempo, Vovó, multiplicando conhecimentos e amizades, deu de oferecer às visitas fígado picadinho com pimenta, cebolinha e farinha de mandioca, acompanhados de uma pinguinha de lei. O povo de São Miguel aprendeu. E gostou. Papa fina.

Não vou descrever aqui o rosário de virtudes da senhora minha avó. Como o fato de ter nos ensinado, a mim e aos meus irmãos, as primeiras palavras em francês, ao mesmo tempo que nos alfabetizava. Além do mais, Dona Luíza portava a avoenga verdade que doura a aura de todas elas: avó é avó. O resto são progenitoras.

Eu já morava em Belo Horizonte. Fazia o Curso Clássico. Trabalhava num banco, sofrendo todas as agruras dos estudantes interioranos: milionário em sonhos, zerado em recursos. Morava numa república, ao lado de mais oito companheiros do nordeste mineiro - que, hoje, sei lá porque, passou a ser “leste mineiro”. Geografias... Tais elementos disputavam comigo o penoso título de “o mais pobre”, ou “o menos remediado”.

De vez em quando nossos pais, fazendo mais tripas do que corações, mandavam alguns tesouros. Coisas de altas supimpitudes. Lingüiça feita em casa. Queijos de meia cura. Dúzias de ovos caipira. Doces de lei, em fôrmas de cachos de uvas, papagaios, cachorros, etc. Bandos de luminárias, pés-de-moleque e goiabadas. E mais aquelas coisas que só o coração das mães adivinha e inventa.

Num aniversário meu, mês de maio, Vovó cometeu um desfalque no seu salário de professora aposentada. Num gesto congênito às avós, mandou-me uma nota de 50 cruzeiros. Cédula enorme. Quase do tamanho de uma fronha. Dobradinha dentro de um envelope. Acompanhada de uma carta cheia de carinhos e conselhos. Estes últimos, impossíveis de serem seguidos, naquela faixa da vida. Aliás, até hoje, confesso.

Em exageros de afeto, a distinta senhora aplicou, num canto do envelope, a sigla mágica “S. A. t. g.”. Ou seja, “Santo Antônio te guie”, pois naqueles tempos os correios eram erráticos e imponderáveis. Daí a necessidade de se apelar ao santo para que as cartas chegassem direitinho ao seu destino. Hoje fico pensando como o coitado do taumaturgo, mergulhado dia e noite em cavilosas e perigosíssimas conspirações casamenteiras, conseguia tempo para bancar o carteiro...
“S. A. t. g.” na quina do envelope, a santa avozinha o sobrescritou assim:
- “Ao interessante jovem” – ...e, no restante, meu nome e o endereço. Vocês não imaginam quantos anos levei para limpar da minha ficha o apelido de “Interessante”.
Uma batalha infrutífera até hoje. Pelo menos para o Paulo Emílio, um dos sobreviventes da velha república. Onde quer que me encontre, me presenteia com o infame adjetivo.
Uma noite, eu comboiava uma dona de polpudos atributos dianteiros e traseiros num jantar boca livre. Sabem onde? No Automóvel Clube. Nem bem adentramos o esnobe salão, o Paulo Emílio, já com dose industrial de uísque no copo, fuzilou:

- Oi, Interessante... Tudo em cima?

A dona destilou um sorriso maquiavélico, cubou-me de alto a baixo e bombardeou-me de ironias:
- Pois não é que você é interessante mesmo?
Ah, Mãe Naná!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

ATÉ QUE PONTO O OUTRO É A SUA PLATÉIA?


NÃO SEI SER RÓTULO, afirma Fernanda Gomes, que plantou seus olhos e sonhos sobre a Praça da Estação e mudou a rotina do povo que passa pelo centro de Belô.

De 23 de abril a 3 de maio, ela expõe o que rolou nessa instalação interativa.

Museu de Artes e Ofícios
Praça Rui Barbosa (a da estação!)
CENTRO


quinta-feira, 16 de abril de 2009

Porto de Quelimane - Moçambique



Do porto espero o aproximar de cada navio
Cada nau a vela turbinas
Mastros ao vento na brisa desse outro outono

O torpor aumenta a cada constatação
Não chegaste
Procuro-te junto à amurada
Mas nesse outro outono
Nada
Lembro-me da partida
Anseio pela chegada

Já disseram que cada partida é uma morte
Morrer no mar
Ao sol ao sal ventos do índico
Guia-nos em direção a história
De guerras de mundos longínquos
De homens deuses resolutos em tua ignorância

De gerir teus compatriotas
Subordinando nações inteiras
A resoluções ambíguas
Mutilações do raciocínio lógico
Dos valores dignos por vícios de poder

Navios por tempos tornam-se casas
Lares da tripulação dos homens do mar
Comandantes trapaceiros jogadores damas
De saias de copas cozinhas salões

A áspera angústia
Tênue linha entre a saudade e a renúncia
A sombra das palmeiras que dividem

Os muros do porto e as águas do mar.


Texto: Pablo Casarino.
Imagem: Waiting for breakfest - Tate Hamilton.
Imagem 2: Pablo Casarino.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

POUSO BENTO


Andamos cerca de dois dias para chegar lá. Valeu cada passo, digo de antemão. Ali, sozinha, Dona Ana Benta cuida de uma égua, duas vacas, dois bezerros, várias galinhas e de uma horta que dá gosto. Seu vizinho mais perto está a 10 quilômetros de espaço ermo, maravilhoso, entre vales e montanhas que circundam um cerrado fértil e abundante. Da solidão, ela tira força para vencer os dias, as noites, e a sedução de um mundo moderno. Dona Ana Benta não quer TV, ignora a eletricidade. Para ela, basta o calor de seu fogão a lenha.

De noite, após a janta, conversamos bastante. Falamos do céu de estrelas, do pôr-do-sol, das águas e das montanhas. No alto da serra, ouvimos muitos casos... vários deles de pessoas que viveram experiências com seres de outros planetas. Luzes estranhas, discos, flashes no céu... Para ela, tudo é normal. Sentada no fogão a lenha, Dona Ana Benta olha para a noite e, como se estivesse procurando uma estrela cadente, conta que vê os “aparelhos” todos os dias. “Outro dia, tinha dois brigando lá no alto”, conta, entre gargalhadas, com a certeza do tamanho de sua inocência, do tamanho de sua graça.

Acordamos cedo, com o bom-dia de um belo galo Garnizé. O café já estava pronto. Na mesa, um queijo redondo nos fez salivar. Dona Ana Benta nos rodeava. Andando de lá para cá, ela limpava a mesa, servia mais café, oferecia gostosos biscoitos, e resmungava quando percebia que alguém estava parando de comer. Com um pano de prato bordado nas mãos, ela ziguezagueava por entre nós... “Come mais meu filho, vocês precisam de muita força”, receitava, com ar de vó benta.

Tivemos que seguir viagem. Me voltei para Dona Ana e ela abriu os braços. Abraçados, ela me disse que sua vida se resumia em cuidar do seu lar e de fazer mais amigos. “Que bom, meu filho, que agora você é meu amigo”. Forcei meus braços mais um pouco e falei comigo mesmo. “Que bom, Dona Ana, que você existe no mundo”.





Texto: Bruno Sales.
Imagem 1: autor desconhecido.
Imagem 2: Bruno Sales.

quarta-feira, 1 de abril de 2009


Vida abençoada
Infinitas oportunidades
Vibrante conquista
Esperança amiga
Rompendo barreiras

Inigualável prazer
Nenhuma certeza por vir
Tudo por explorar
Entusiasmo de criança
Nada de fantasias
Sem preconceitos
Amor não pode faltar
Memórias valem ouro
Empenho positivo
Nunca desistir
Ter sempre um objetivo
Encarar, suar, e por fim, se deliciar!

Texto: Leo Deoti.
Imagem: Sator Arepo.